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Síntese do dia 2

Convite ao crime

Há quase 15 anos respiro segurança pública 24 horas por dia, todos os dias do ano, misturando sentimentos de satisfação, alegria, medo, desespero, arrependimento, orgulho, indignação, entre outros. Com o passar do tempo, porém, a capacidade de me surpreender com atitudes lamentáveis da parte dos governos nessa seara chegou a zero. Autorizar seguradoras a cobrir o resgate em casos de extorsão mediante seqüestro fere qualquer noção de bom senso, não sendo necessário ser profissional da área para concluir que seria – ou melhor, que vai ser – um incentivo ao crime.

Cada quadrilha de seqüestradores que ganha dinheiro volta a cometer novos seqüestros assim que torra o seu lucro, sempre de maneira rápida: com drogas, prostitutas etc. Isso porque, se o esquema deu certo, não migrarão para outras modalidades. Quem trabalha no ramo sabe que os marginais se conhecem e que o que um faz todos ficam sabendo. Ou seja, se fulano ganhou dinheiro fácil, os demais irão copiá-lo. Segue-se daí que quadrilhas que atuavam com roubos, estelionatos e tráfico resolverão arriscar um seqüestro porque "está dando certo".

As polícias encontram uma dificuldade enorme em convencer a família a não pagar o resgate. Agora, para aqueles que tiverem o seguro, vai ser quase impossível fazer a recomendação prevalecer. E, com o pagamento, não teremos tempo para investigar. Pior: pode ser que o refém nem seja libertado, como ocorre em muitos casos.

Outro ponto nebuloso é o do sigilo. Mesmo pessoas que ganham bem – juízes federais e estaduais, promotores, delegados federais e estaduais, deputados, senadores, banqueiros etc. – se corrompem. Por que que nas seguradoras seria diferente? Garantir que as listas dos segurados nunca irá vazar é uma promessa que nem o governo nem as empresas têm a certeza de poder cumprir. Isso porque onde estiver o ser humano, haverá risco de desonestidade. Nesse caso, a família da vítima não vai ter a possibilidade de argumentar que não tem dinheiro para pagar o resgate. É verdade que seguradoras alemãs, inglesas e americanas protegem seus cidadãos com esse seguro, porém somente há cobertura para aqueles que residem em países do terceiro mundo e que neles venham a sofrer esse crime.

Como o Grupo Tigre tem a política de não tratar publicamente de assuntos referentes ao seu trabalho, eu não deveria estar escrevendo este artigo. Todavia, agora que o "molho vai desandar", algo precisa ser dito: um país que muda as regras para o uso de algemas e para a interceptação telefônica e que aceita a invasão da casa de um homem honesto como o delegado Protógenes Queiroz, como se bandido fosse, pelo simples fato de ele ter tido a audácia de coletar provas contra o poderoso Daniel Dantas, deve ser realmente considerado uma "república das bananas".

É por isso que eu não me surpreendo com a nova modalidade de seguro.Vamos ajudar as seguradoras e os seqüestradores a ganhar dinheiro. Afinal, segurança pública só é tema importante quando estamos próximos das eleições.

Riad Braga Farhat é delegado titular do grupo Tigre, especializado em apurar casos de seqüestro.

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