Durante a COP 25, em Madri, em entrevista ao El País, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez declarações que sintetizam teses sobre elos entre pobreza e meio ambiente. Dentre suas declarações, mencionou que “se não resolvermos a pobreza, não haverá preocupação com o meio ambiente”. Salles ainda afirmou que “as pessoas que vivem na Amazônia têm a maior quantidade de recursos naturais e, ao mesmo tempo são as mais pobres de todo o país”. A primeira fala é tese mais popular: a degradação ambiental é, em parte, fruto de comportamentos antiecológicos de pobres, como resultado da luta diária pela sobrevivência. Afinal, quem passa fome ou necessidade básica não teria motivação para salvar o mico-leão dourado, a não ser que esta fosse estratégia de sobrevivência. A parte demograficamente errada e politicamente incorreta, que Salles não defendeu, é que pobres seriam antiecológicos porque geram mais filhos que ricos. Em outras palavras, mais gente consumindo recursos finitos de forma insustentável, e sem acesso às tecnologias e conhecimentos científicos atuais sobre gestão de recursos naturais.
A outra tese, implícita na segunda colocação de Salles, é paradoxal: esquemas de conservação da natureza podem manter pessoas em certo nível de pobreza. Voltarei a este ponto, mas antes vejamos sua antítese: o “ecologismo dos pobres”, identificado por Juan Martinez-Alier. Esta corrente defende que a degradação ambiental pode gerar pobreza. Além disso, mesmo quando degradação não produz pobreza, pobres são empurrados para locais de risco, degradados e poluídos, com menor valor de mercado. Degradação e pobreza seriam inerentes ao capitalismo. Uma versão do ecologismo de pobres é a florestania (cidadania florestal), conceito criado por Antônio Alves, poeta acreano, e difundido como política pública pela ex-presidenciável Marina Silva. A ideia central é que manter pessoas na natureza conservada, vivendo de práticas de manejo ecológico e ecoturismo, seria a solução da pobreza.
Florestanistas deixam de perceber, e parece ser isso que Salles aponta, que, apesar de benéficos tangíveis aos que vivem e habitam estas regiões, a função preconizada por discursos e políticas ambientalistas até então predominantes, que visa mantê-los como “guardiões da mata”, pode ser tiro que saiu pela culatra, visto que a adoção deste papel, em certas circunstâncias, limitou o desenvolvimento local. Nos casos em que a natureza ficou conservada, isso pode ter ocorrido à custa da pobreza local, em meio à riqueza exuberante de biomas como a Amazônia, situação que caracteriza a pobreza no paraíso.
Durante muito tempo se pensou que a degradação ecológica causaria redução no bem-estar humano. Mas não foi isso que a própria ONU apontou na Avaliação Ecossistêmica do Milênio, realizada entre 2001 e 2005. Paradoxalmente, o bem-estar aumentou nas últimas décadas, apesar dos declínios globais na maioria dos ecossistemas. Significa que degradar a natureza é bom, ou que é isso que devemos fazer? Absolutamente não. A observação da realidade também indica que não há país desenvolvido que tenha mantido sua natureza intocada ou quase, como pretendem ambientalistas radicais. Estes países deixaram pequena parcela do que sobrou de suas áreas naturais (seu capital natural) para o futuro. Historicamente, suas necessidades foram supridas à custa do uso de recursos naturais de outros países.
Mas como explicar o paradoxo da pobreza humana em paraísos ecológicos? Antes é preciso entender a pobreza como fenômeno multidimensional, além do critério de renda. Muitos ativistas defendem que indígenas, quilombolas e ribeirinhos não podem ser pobres, pois não se sentem assim e não dependem de dinheiro para viver. Isso é meia verdade. Pobreza pode incluir taxas de mortalidade elevadas, doenças muitas vezes já extintas em outros lugares, deficiências nutricionais, limitada educação formal, acesso precário ou inexistente a meios de transporte e eletrificação doméstica, saúde pública deplorável ou improvável, barreiras a mercados de consumo e trabalho. Enfim, um bloqueio múltiplo a liberdades, direitos constitucionais e universais. Existem exceções? Claro que sim. Há indígenas, tradicionais e rurais que estão satisfeitos com seus modos de vida, ou que por nenhuma destas medidas (coisa rara) seriam considerados pobres. Mas, como lembra Salles, deixem que eles, pobres ou não, falem por si mesmos sobre seus desejos e suas condições de vida. Acontece que também existem milhares de insatisfeitos, com ou sem nome e etnia, que, na medida em que se percebem como encarregados de salvar o planeta para franceses, noruegueses e brasileiros, isolados do desenvolvimento científico e tecnológico, crescentemente se recusam a serem cristalizados como pré-modernos.
Pobreza no paraíso existirá enquanto os habitantes destas regiões continuarem pagando o preço da conservação global da natureza, ao abrirem mão, por vontade própria e/ou coerção, dos benefícios da modernidade, vivendo cristalizados economicamente, para que ecossistemas do mundo inteiro sejam preservados. Quando e como serão recompensados pelo que fazem pela humanidade e pela natureza? Sobre esta tese, Salles tem muita razão.
Rodrigo Penna-Firme, biólogo, mestre em Ciências Ambientais e Florestais e PhD em Antropologia, é professor do departamento de Geografia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais
Doações dos EUA para o Fundo Amazônia frustram expectativas e afetam política ambiental de Lula
Painéis solares no telhado: distribuidoras recusam conexão de 25% dos novos sistemas