Três repórteres e outros dois profissionais da Gazeta do Povo foram processados por magistrados e promotores do Paraná após terem publicado uma reportagem especial sobre os vencimentos recebidos por juízes e representantes do Ministério Público neste ano. O jornal mostrou os expedientes por eles utilizados para ganhar mais que o teto salarial fixado pela Constituição para o funcionalismo público. Os profissionais do jornal, de 97 anos de existência, foram alvo de pelo menos 48 processos judiciais movidos de abril até agora em várias cidades do Paraná.
As petições foram praticamente idênticas e seus signatários alegaram que foram “ridicularizados”e “ofendidos”. “Colegas de todo o estado passaram a experimentar algum tipo de dissabor ou constrangimento, como a indagação de populares sobre supersalários”, afirmaram os diretores da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar).
Os processos reivindicam R$ 1,3 milhão em indenizações e foram abertos em juizados especiais, que aceitam causas no valor de até 40 salários mínimos e obrigaram os jornalistas a comparecer a todas as audiências de conciliação, sob pena de serem condenados à revelia. Isso já os levou a percorrer milhares de quilômetros e os obrigou a perder muitos dias de trabalho por semana.
Clareza e transparência. É o mínimo que se espera dos homens públicos
A forma de intimidação de jornalistas e do trabalho da imprensa adotada pelos juízes paranaenses não é nova. Há oito anos, a Igreja Universal do Reino de Deus estimulou dezenas de fiéis a abrir processos, em suas respectivas cidades, contra uma repórter da Folha de S.Paulo que publicou uma reportagem revelando o patrimônio da organização e questões societárias de gráficas, agências de turismo, imobiliárias, emissoras de rádio e empresas de táxi aéreo ligadas a seus bispos. As petições tinham os mesmos textos e os fiéis – como no caso dos magistrados paranaenses – se diziam “ofendidos”. Trata-se de tentativa corporativa de censura. Antidemocrática e inconstitucional.
Mas nem todos vão por aí. Felizmente. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, defendeu a liberdade de imprensa durante o 11.º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo. Ao comentar a série de ações propostas pelos juízes paranaenses contra jornalistas da Gazeta do Povo, a futura presidente do STF declarou que o “dever da imprensa não pode ser cerceado de maneira nenhuma”. Para Cármen Lúcia, quem assume cargo público tem uma esfera de privacidade menor. Dizer quanto o juiz ganha não está no espaço da privacidade. É o cidadão quem paga. Ele tem o direito de saber. Sobre o episódio, sublinhou ainda que os juízes envolvidos, nesse caso, “são parte”, não mais magistrados.
O interesse público está acima do interesse privado. O direito à informação, pré-requisito da democracia, reclama o dever de informar. E os meios de comunicação demandam liberdade e independência para cumprir o seu dever de informar. A privacidade dos homens públicos é relativa. O cargo público traz consigo a incontornável necessidade de transparência.
Informação jornalística relevante é, frequentemente, considerada um abuso ou um despropósito. Homens públicos invocam o direito à privacidade como forma de fugir da investigação da mídia. Entendo que o direito à privacidade não é intocável. Pode cessar quando a ação praticada tem transcendência pública.
Clareza e transparência. É o mínimo que se espera dos homens públicos. Salário de servidor público não é assunto privado. É informação de interesse público. Relevante para a sociedade. O leitor tem o direito de saber.
A imprensa deve fazer o contraponto. Sempre. A ministra Rosa Weber, do STF, deferiu, na quinta-feira, 30 de junho, a liminar do jornal para que as ações contra o veículo sejam suspensas. Os juízes paranaenses estão equivocados. A Gazeta do Povo fez o que devia. Cumpriu o seu papel.
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