Em fevereiro deste ano, o STF julgou o HC 126.292 e, por maioria – sete votos a quatro –, alterou entendimento que vigia na corte desde o julgamento do HC 84.078, em 2009. Com a alteração, o Supremo passou a admitir a execução provisória da pena em desfavor do réu.
A decisão, que voltou a ser analisada pelo STF dias atrás, foi aplaudida por muitos. O principal argumento: o novo entendimento representa um considerável avanço no combate à impunidade, em especial frente aos casos em que a defesa – de réus financeiramente favorecidos – maneja os múltiplos recursos previstos em lei e, assim, posterga indefinidamente o cumprimento da pena ou conduz à sua prescrição.
A decisão do STF homenageia o caráter retribucionista – vingativo – da prisão
Censuro a impunidade e o tratamento desigual que, por questões econômicas, acaba sendo dispensado aos acusados. Porém, por respeito ao regime democrático e às garantias constitucionais, o novo entendimento fica sem os meus aplausos.
A primeira e principal razão: a decisão viola o artigo 5.º, LVII, da Constituição, bem como o disposto (desde 2011) no artigo 283 do Código de Processo Penal. A lei brasileira entendeu – o que implica numa peculiaridade, quando analisado o direito comparado – por adotar o termo trânsito em julgado, cuja interpretação guarda, e sempre guardou, relação com o esgotamento dos recursos cabíveis.
A segunda: se é verdade que os recursos especial e extraordinário não reexaminam matéria fático-probatória, mas somente a correta observância da lei, também é verdade que isso, nem de longe, afasta a possibilidade de a condenação ser revertida nas cortes superiores. Ignorar tal possibilidade é, antes de mais nada, menosprezar a importância das decisões proferidas pelo STJ e pelo STF.
A terceira: repetidamente se argumenta que o réu, quando tem a condenação confirmada em segunda instância, teve garantido o direito ao duplo grau de jurisdição. Cabe registrar, nesse ponto, que a decisão do STF atinge também o réu que foi absolvido em primeira instância e, em razão de recurso, foi condenado (pela primeira vez) em segundo grau. Há quem alegue que tal hipótese não viola o direito ao duplo grau, por ser a decisão de segunda instância já colegiada – o que minora o risco de erro judiciário. A preocupação não pode ser descartada. Na prática, em razão do (desumano) volume de trabalho, o que ocorre, por vezes, é uma falsa colegialidade, em que revisor e vogal confiam na decisão exclusiva do relator. Acrescente-se que, então, estar-se-á diante de uma decisão condenatória unânime, que, portanto, não admite a interposição de embargos infringentes.
Por fim – e o fim se deve ao fim do espaço e não ao fim dos argumentos –, não há de se olvidar que as prisões processuais continuam em plena vigência (e, como revelam as estatísticas, em pleno uso) para solucionar casos em que, para ficar em alguns exemplos, o acusado reiteradamente pratica delitos, ameaça testemunhas ou tenta fugir. A antecipação da execução da pena, portanto, não é indispensável ao cumprimento desses (legítimos) fins, o que evidencia que a decisão do STF homenageia, precipuamente, o caráter retribucionista – vingativo – da prisão.
Assim, se o sistema recursal e o instituto da prescrição, tais como previstos, são passíveis de críticas por gerar impunidade, que sejam repensados. Por meio, é claro, de instrumentos legítimos – veja-se, num intento ilustrativo, a PEC dos Recursos, apresentada em 2011 pelo ministro Cezar Peluso. O que não se concebe é aplaudir decisão que, na intenção de corrigir um erro, cria outro, ainda maior, pois revelador de menosprezo às garantias constitucionais e agressor do Estado democrático.