O Brasil tem cerca de 16 mil magistrados, a maioria absoluta correta e dedicada. No entanto, o tema corrupção no Poder Judiciário entrou na pauta de discussões nos últimos tempos, face a ocorrências noticiadas nos meios de comunicação. E com grande repercussão, afetando de forma negativa, como nunca, a imagem da Justiça. Regra geral, a corrupção no Poder Judiciário brasileiro é ignorada. Nada se encontrará nos livros e artigos jurídicos. Diversa é a situação na Argentina, onde Emilio J. Cárdenas e Héctor M. Chayer escreveram, em 2005, a obra "Corrupción Judicial Mecanismos para prevenirla y erradicarla" (Buenos Aires: Ed. La Ley e Fores, 2005).
Imagina-se que corrupção no Poder Judiciário é o recebimento de dinheiro por parte de um juiz, para beneficiar uma das partes. Não é esse o melhor conceito. A corrupção pode envolver outros favores e benefícios, maiores ou menores, como presentes valiosos, o pagamento de uma viagem, o empréstimo de uma casa de veraneio, emprego dado a um parente ou até mesmo jantares sofisticados.
É difícil saber o que pode levar um juiz a corromper-se. Normalmente, liga-se a corrupção de um servidor público com o fato de receber vencimentos irrisórios. No caso dos juízes, os vencimentos em todo o Brasil vão do bom ao excelente. É difícil imaginar porque alguém ganhando bem, tendo status privilegiado, tranqüilidade, venha a corromper-se. Talvez porque: a) existe uma onda de consumo que afeta a todos; b) há uma visível queda nos padrões éticos e morais de toda a sociedade; c) a impunidade estimula o desvio de conduta; d) os concursos não identificam o caráter do candidato.
Não é simples identificar um juiz corrupto. No entanto, um padrão de vida incompatível com a média de seus iguais pode constituir forte indício. Da mesma forma, as companhias (birds of a feather fly together, ou, como se diz no Brasil caipira, ave de pena "iguar" voa junta). A investigação do crime cabe sempre a um tribunal e não à Polícia ou ao Ministério Público (LC 35/79, art. 33, par. único). Se o juiz for de primeira instância, a investigação caberá ao tribunal ao qual estiver subordinado, federal ou estadual. Se for um desembargador, a investigação caberá ao STJ; se for ministro do STJ ou de outro Tribunal Superior, ao STF; se for ministro do STF, ao próprio STF nos crimes comuns e, ao Senado, nos de responsabilidade.
Além da investigação criminal, há outra para apurar a infração administrativa. Esta pode ser feita pelos Tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça. A pena máxima que um Tribunal ou o CNJ podem aplicar é a de aposentar o magistrado (se ele tiver preenchido os requisitos) ou colocá-lo em disponibilidade (Loman, art. 42, IV e V). Não é permitido, no âmbito administrativo, impor a pena de demissão, porque apenas uma sentença judicial transitada em julgado pode fazê-lo (CF, art. 95, inc. I). Este é um aspecto que os meios de comunicação sempre divulgam e a sociedade não compreende nem aceita.
Qual a reação contra a corrupção? A sociedade brasileira não aceita a idéia de um juiz venal. As pessoas admitem nos juízes os defeitos próprios do ser humano, como a preguiça, a vaidade ou o nepotismo. Mas não admitem, em hipótese nenhuma, a corrupção. Os tribunais, ao tomar conhecimento de um caso, por vezes têm sido reticentes ou omissos. O CNJ tem agido com rigor e tende a assumir por completo esse papel. As empresas não costumam envolver-se em tal tipo de problema. O Ministério Público não tem se omitido. A Polícia Federal tem sido quem investiga a maioria dos casos, através de interceptações telefônicas. A Polícia Civil não tem tido papel de destaque. Não se tem notícias da ação da sociedade organizada através das ONGs. As associações de magistrados, normalmente, não se posicionam quanto ao mérito, pedindo apenas que seja dado aos acusados o direito à ampla defesa.
Em suma, o problema aí está, ainda não é endêmico, alcança um percentual mínimo de magistrados, mas precisa ser enfrentado.
Vladimir Passos de Freitas é ex-presidente do TRF 4.ª Região, professor doutor da PUCPR, diretor da Escola Magistratura Federal do Paraná (Esmafe/PR) e presidente do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).