A ausência de clareza ideológica dos partidos políticos em países como os EUA e Brasil contribui para o esva­­zia­­­mento do processo político e o declínio do interesse da participação popular

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As revoluções econômica e política do século 19 sacudiram países como Inglaterra e França e disseminaram por toda a parte a consolidação de um novo sistema econômico, político e sociocultural. No plano político, os franceses delinearam os princípios da revolução liberal e difundiram os conceitos universais de liberdade, igualdade e fraternidade. Sob o impulso da razão iluminista, a burguesia emergente travou uma luta para estabelecer a separação político-jurídica entre o livre domínio da vida privada e as questões de interesse público, sob o poder de decisão do Estado.

No plano social, o processo de migração de braços do meio rural em direção às cidades consolidou a era dos trabalhadores assalariados, fomentou o desenvolvimento do capitalismo industrial e serviu de base à criação dos sindicados e, em consequência, dos primeiros partidos políticos trabalhistas e socialistas.

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No parlamento, as relações de proximidade e de compromisso ideológico entre as agremiações partidárias e os movimentos sociais obrigavam os parlamentares a repercutir e defender, de modo direto e imediato, os interesses econômicos, políticos e culturais que fracionavam e mobilizavam os grupos sociais urbanos.

A atmosfera ideológica decorrente da oposição de interesses e de visões de mundo em conflito exigia dos partidos, além da construção de programas políticos autênticos e com identidade própria, maior relação de proximidade entre os mandatários eleitos pelo voto e seus filiados ou simpatizantes.

Atualmente, a apatia democrática não constitui um fenômeno que afeta a legitimidade apenas deste ou daquele partido. Durante o período da guerra fria, os partidos de esquerda, sobretudo nos países de capitalismo avançado europeu, viram-se pressionados a abrir mão de soluções políticas que preconizavam rupturas revolucionarias, em busca da conquista do poder de Estado nos marcos das constituições democráticas. Desde então, a maioria dos partidos de bandeira socialistas elaborou plataformas políticas em defesa de reformas econômicas, sociais e políticas. O foco da luta deixou de ser a destruição do capitalismo. As organizações partidárias de esquerda amenizaram ou abandonaram o discurso anticapitalista com o objetivo de atrair e convencer os eleitores, assegurando-os de que a esquerda no poder está apta para ser tão boa ou melhor que os tradicionais partidos de direita, no que tange à capacidade de governar e de gerenciar os recursos públicos arrecadados e controlados pelo Estado.

Na medida em que as reivindicações da esquerda parlamentar, a respeito do aumento de salários, direitos coletivos e, portanto, melhor distribuição da riqueza social, obtinha êxito, as questões ideológicas que diferenciavam socialistas, liberais e conservadores ficaram em segundo plano. Desde então, a existência e representações partidárias veem-se mergulhadas numa profunda crise de identidade ideológica a tal ponto que a maioria dos partidos políticos se converteu, aos olhos e julgamento da consciência coletiva, num emaranhado de siglas vazias, inúteis, oportunistas e corruptas. O que isso tem a ver com a despolitização da vida social?

A ausência de clareza ideológica dos partidos políticos em países como os EUA e Brasil contribui para o esvaziamento do processo político e o declínio do interesse da participação popular em assuntos contemporâneos que afetam a vida de todos. A redução da importância do debate político, ao processo puro e simples de ascensão econômica das diferentes classes sociais, tende a deixar de lado discussões e deliberações públicas urgentes a respeito do consumo insustentável, da destruição dos recursos naturais, de políticas universais que conferem direito à saúde e à moradia, da ameaça permanente de guerras, do totalitarismo político e da impunidade à corrupção.

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Cezar Bueno, doutor em Sociologia, é professor da PUCPR. E-mail:c.bueno@pucpr.br