| Foto: Daniel Meneghetti/AEN

A existência de um bem que possa ser usurpado de maneira ilícita, gerando lucro para quem busca vantagens fora de preceitos legais ou em detrimento de terceiros, representa a fórmula que garantiu uma exploração descontrolada sobre o patrimônio natural brasileiro ao longo dos últimos séculos.

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A exploração sem limites do período em que éramos ligados a Portugal já aponta para a existência de uma cultura pragmática de busca pelo enriquecimento a qualquer custo. Com vistas, inclusive, a buscar o desfrute desses ganhos em outras paragens, muito distantes do Novo Mundo.

Os ciclos econômicos que se seguiram à época do descobrimento foram eminentemente extrativistas, espoliativos. Tanto que o final desses ciclos, reiteradamente, deu-se pela exaustão desses produtos, ocasionada pela exploração desenfreada. Seguiram as práticas agrícolas e de pecuária, subsequentes à devastação da vegetação nativa. Sempre em busca do uso máximo do território, desrespeitando encostas, beiras de rios ou mesmo a existência de remanescentes naturais em alguma proporção nas regiões exploradas.

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A prática de troca de favores entre o privado e o público para obtenção de permissões para avanços exacerbados no uso da natureza foi, portanto, a maneira como uma significativa fração de nossa sociedade acumulou vantagens e enriqueceu indevidamente em nosso país. E, em boa parte, esse entendimento de ajustar acordos ilícitos para garantir vantagens continua em plena atividade.

Os ciclos econômicos que se seguiram à época do descobrimento foram eminentemente extrativistas

O ciclo da madeira no sul do Brasil, ocorrido em décadas passadas, gerou um grupo de famílias abastadas que até hoje desfruta do resultado da empreitada destruidora que assumiu ser a maneira de desenvolver suas atividades, sempre com um aval conivente dos governantes. Mudam os negócios, pelo fim da madeira nativa, mas fica a origem dúbia e o péssimo exemplo de como esse processo de geração de riquezas foi executado.

Somente há poucas décadas, as leis ambientais começaram a ser estabelecidas em nosso país. E não foi a falta de inteligência e de qualidade que impediu a nossa passagem para uma condição mais iluminada. O exímio contexto estabelecido pelo Código Florestal de 1965 – talvez o maior marco de evolução na compreensão do interesse público sobre a propriedade privada – nunca obteve um entendimento pleno de parte da sociedade. Falou mais alto a garantia de impunidade e a expectativa de ganho maior, em detrimento do resto da sociedade.

O descompasso entre o que o Código Florestal preconizava e o arrebatador descompromisso leviano da sociedade rural em cumprir o que se estabeleceu como limite ao uso da terra, gerou o verdadeiro desmonte desse arcabouço legal, em 2012. E que foi vergonhosamente referendado pelo Supremo Tribunal Federal em 2018. O poder quase ilimitado de grupos setoriais, que avança na estruturação de uma legislação de conveniências, é uma das maiores e mais perversas demonstrações de corrupção que podemos oferecer nos dias atuais, contaminando todas as esferas de poder.

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Portanto, a corrupção endêmica e amplamente espalhada em nosso meio, pode-se afirmar, começa com práticas ilícitas envolvendo a sina de destruição da natureza, com amplas e variadas modalidades. E continua muito ativa na forma de excessos conscientes e negociados em troca de vantagens. São atividades de mineração, silvicultura, pecuária, agricultura, implantação de indústrias e até ações envolvendo infinitas iniciativas mais pontuais.

Como uma farsa programada para não atender à sua missão primordial, delimita-se um complexo de estruturas frágeis e suscetíveis a todo o tipo de pressões, chamadas formalmente de órgãos ambientais. É de conhecimento amplo a prática de licenciamentos ilícitos, facilitados para o atendimento aos amigos do rei. Uma moeda de troca na forma de favores políticos e repasses de recursos sem procedência. Evidencia-se a garantia para campanhas eleitorais ou postos estratégicos em estruturas de governo para os elementos coniventes com o crime.

O desenvolvimento a qualquer custo, assim pontuado como uma forma de exploração que não atende o respeito aos limites da natureza, ou mesmo aos preceitos estabelecidos em lei, é uma atividade intimamente ligada à corrupção. Gera resultados econômicos abusivos e imorais. E consolida um comportamento que, nos dias de hoje, todos percebemos, tomou conta da nação.

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Agimos com apoio cego em prol da destruição da natureza por meio de ações sem nenhuma coerência estratégica

Incorporamos na pele esse comportamento, na forma de uma cultura institucionalizada, crônica e patológica. De nada importa o prejuízo coletivizado, nem a perda irreversível de recursos que poderiam ser usados de maneira contínua. Agimos com apoio cego em prol da destruição da natureza por meio de ações sem nenhuma coerência estratégica, impostas a partir de atos inconsequentes e criminosos.

Somos hoje, de fato, uma sociedade de corruptos. Um povo que cultua um profundo e irresponsável descompromisso com o futuro de todas as gerações que nos seguirão logo mais, por tratar a natureza como um bem descartável e que é visto como simples forma de usura. Depois de tantas Marianas, o que ainda precisamos viver para que uma virada aconteça? Ou estamos diante de uma condição inexorável que assume a mediocridade como uma sina sem volta?

Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. Caetano Fischer Ranzi é psicólogo e mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento.