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A Covid-19 e a distopia das máscaras

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Máscaras e proteção (Foto: Hedeson Alves/Tribuna do Paraná)

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Drauzio Varella diz em artigo na Folha do dia 11/11 que “paramos muito cedo de usar máscaras em ambientes fechados”. É um mistério como pessoas cultas, capazes e inteligentes assumem posições indefensáveis do ponto de vista científico.

O mandato de máscaras no estado de São Paulo teve início em maio de 2020, sendo revogado somente em março de 2022, como podemos ver nesse gráfico. Nesse ínterim, os casos e óbitos de Covid-19 subiram muito, baixaram, subiram de novo e assim por diante.

Durante todo esse tempo, máscaras eram compulsórias em todos os locais públicos. Em março deste ano, as máscaras deixaram de ser obrigatórias no estado, com exceção do transporte público e serviços de saúde. Naquela época, ocorriam aproximadamente 9 mil novos casos de Covid-19 por dia. Daí em diante, a taxa de casos (e de mortes) por Covid-19 caiu e nunca mais voltou aos patamares de fevereiro-março de 2022, mesmo quando, em 8 de setembro, a obrigatoriedade do uso de máscaras no transporte público foi também revogada.

Boa parte da elite médica e científica não consegue se desvencilhar da ideia de que máscaras representam uma intervenção não farmacêutica eficiente na prevenção de doenças respiratórias virais.

No dia em que o artigo de opinião do Drauzio Varella foi publicado, a média móvel em São Paulo foi de 1.700 novos casos de Covid-19/dia. Ora, se máscaras tivessem algum efeito preventivo importante sobre a transmissão de Covid-19, teríamos observado um aumento nos números de casos (e mortes) após a revogação do mandato, mas o que observamos, foi exatamente o contrário. Contudo, contra os fatos e o bom senso, alguns “experts” acham que deveríamos seguir com a obrigatoriedade das máscaras. Às favas com a lógica e a crítica científica.

De fato, boa parte da elite médica e científica não consegue se desvencilhar da ideia de que máscaras representam uma intervenção não farmacêutica eficiente na prevenção de doenças respiratórias virais. Isso ocorre, a meu ver, por vários motivos, mas irei me referir aqui a apenas três: (1) máscaras são capazes de filtrar parcialmente vírus em condições de laboratório; (2) há dezenas de estudos epidemiológicos observacionais e retrospectivos de baixa qualidade que supostamente sustentam a tese de que máscaras funcionam; (3) tradição.

O fato de testes de laboratório apresentarem eficiência de filtração por máscaras não significa que as mesmas funcionarão quando testadas em condições bem menos ideais, como aquelas inevitavelmente presentes fora dos laboratórios. De forma análoga, a grande maioria das drogas que apresentam ótimos resultados no laboratório, falham miseravelmente em testes clínicos, com pacientes de verdade.

Isto ocorre apesar do investimento milionário das empresas farmacêuticas nesses potenciais medicamentos e, portanto, de seu total interesse para que a droga em teste apresente resultados satisfatórios. Se faz necessário lembrar que a biologia da interação patógeno-hospedeiro é muito mais complicada do que experimentos reducionistas realizados em condições artificiais de laboratório possam prever. Este é apenas um dos elefantes na sala que os defensores das máscaras continuam ignorando.

Os melhores estudos, aqueles que analisam populações randomizadas, com controles adequados e grande número de participantes, mostram, de forma bastante clara, que máscaras têm um efeito nulo ou muito pequeno sobre a transmissão viral. Apenas quando estudos de baixa qualidade são incluídos em revisões da literatura científica, máscaras passam a apresentar algum benefício concreto. Será que devemos pautar as políticas públicas em estudos de baixa qualidade?

Sobre o último ponto, há uma tradição dos médicos cirurgiões em vestir máscaras na sala de operações. O principal motivo para esta prática é evitar a contaminação do cirurgião com fluídos do paciente operado. O “bom senso” sugere que o uso de máscara também protegeria o paciente de possíveis infecções. Entretanto, não há boas evidências para esta alegação.

Uma revisão de 2016 de estudos randomizados e controlados sobre se o uso de máscaras pelo time de cirurgiões reduz infecções pós-operatórias não encontrou diferenças estatisticamente significativas nas taxas de infecção dos grupos de pacientes que foram submetidos à cirurgia por médicos mascarados e não-mascarados. Portanto, a julgar pelas melhores evidências científicas, o uso de máscaras em salas de operações tem a mesma origem da pendura do estetoscópio no pescoço – tradição, e nada mais.

A Universidade de São Paulo e outras instituições restituíram a obrigatoriedade de máscaras a partir do dia 16/11, sob a alegação de que o número de internados em UTI vem crescendo nos últimos dias. De fato, a taxa de aumento de internações nas últimas três semanas é de 0,039/dia (ou seja, a cada dia o número de internações é 4% maior que no dia anterior), mas o número de óbitos não vem acompanhando esse aumento e segue em um de seus menores patamares desde o início da pandemia. Para efeito de comparação, em maio-junho deste ano, houve um pico de Covid-19, com taxas de aumento de internações muito similares: 0,038/dia. Essa foi a menor onda de Covid-19 até então. Lembrando que, nesta época, a obrigatoriedade de máscaras estava restrita ao transporte público e serviços de saúde. Na cola da USP, a ANVISA decretou o retorno das máscaras nos aviões e aeroportos e o governo de São Paulo restabeleceu o decreto de uso de máscaras no transporte público.

Dados os números de fatalidades da pandemia no Brasil e em países vizinhos, alguns dos quais, como o Chile e a Argentina, com mandatos ainda mais draconianos e resultados igualmente ruins, fica a pergunta: se os diversos mandatos impostos durante a pandemia, inclusive o de máscaras, não serviram para nada, qual o motivo da insistência das autoridades em aplicá-los?

Na minha opinião, a proteção da população é apenas um pretexto para autoridades sedentas por poder. A pandemia de Covid-19 criou as condições ideais para a instauração de uma ditadura supostamente baseada na “segurança biomédica”. Nesse mundo distópico, as autoridades regulam onde podemos ir, como devemos nos vestir e que substâncias devem ser injetadas em nossos corpos. Ao final, todas as ditaduras alegam que agem pelo bem do povo, não é mesmo?

Beny Spira é doutor em Genética Molecular pela Universidade de Tel-Aviv, com pós-doutorado em Genética e Evolução Bacteriana pela Universidade de Sydney, e professor de Microbiologia na Universidade de São Paulo.

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