A boa gestão pública das complexas sociedades contemporâneas pressupõe a adoção de mecanismos governamentais dinâmicos, maleáveis e responsivos às rápidas mudanças sociais, políticas e econômicas, amparando-se em métodos confiáveis e seguros de mensuração qualitativa. O advento da Covid-19, por suas incertezas latentes, agrava o desafio da institucionalidade posta, tornando cogente o permanente diálogo constitucional responsável entre os agentes de poder. Definitivamente, se queremos melhores respostas, teremos de tentar novas abordagens com vistas a resultados mais eficazes.
Sem cortinas, os modelos de combate à pandemia que se pautam preponderantemente sobre o número de leitos hospitalares acabaram por gerar um critério reativo: o alarme dispara quando o ladrão já está dentro da casa, promovendo danos irreversíveis à saúde pública. E, diante da pressão extrema sobre o sistema hospitalar, os governos são forçados a apertar severamente o torniquete da economia, buscando diminuir a circulação de pessoas e, com isso, achatar a curva de contágio.
Acontece que esse movimento de sanfona, além de frontalmente lesivo à saúde da economia e à própria sociabilidade humana, fere o postulado da segurança jurídica que visa fazer do Estado uma fonte de estabilidade e previsibilidade de condutas aos cidadãos. Logo, à luz de um constitucionalismo aberto e racional, é preciso inverter a perspectiva, criando-se um método preventivo, capaz de proporcionar certa antevisão do comportamento patológico para, ato contínuo, possibilitar a calibragem ou focalização de medidas restritivas eventuais e, assim, evitar fechamentos generalizados de alto impacto negativo.
Consoante lição de clássica de Loewenstein, “dos detentores oficiais de poder se espera que, por meio de suas decisões políticas, harmonizem os interesses contrapostos dos grupos pluralistas em benefício comum da sociedade”. O problema é que tal regra de harmonização política, entre valores constitucionais de mesma hierarquia, não tem fórmula jurídica prévia, sendo um juízo de ponderação concreta à luz dos elementos de fato que informam uma interpretação constitucional equilibrada e materialmente justa.
Mas como, então, fazer isso praticamente?
Ora, em vez de negar o problema e sua complexidade natural, precisamos impor uma pauta colaborativa abrangente, unindo o poder público e a iniciativa privada no enfrentamento da questão. Criado o ambiente integrador, é preciso inaugurar uma decidida política de testagem massiva em clusters estratégicos (shopping centers, escolas, supermercados, rodoviárias, aeroportos etc.) que gerarão dados reais sobre variáveis epidemiológicas correntes, possibilitando o imediato isolamento e rastreamento dos casos positivos.
No importante estudo Roadmap to Responsibly Reopen America, a inteligência superior do professor Paul Romer é categórica ao afirmar que “a testagem em massa é opção mais viável para enfrentar a crise econômica e de saúde que encaramos atualmente”. Mesmo com índices crescentes de vacinação, precisamos estabelecer a testagem recorrente como um investimento público necessário, especialmente face o risco de mutações virais incontroláveis. Aliás, como bem apontou o professor A. David Patiel, da Yale School of Public Health, “a vacina – maravilhosa, milagrosa como é – não vai por si mesma conter esta pandemia”, concluindo que “quanto menos trabalho dermos à vacina, melhor”.
Por tudo, as dúvidas quanto ao futuro patológico exigem contínua ação proativa dos governos constituídos. O investimento sério na geração de dados quantitativos possibilitará o desenvolvimento qualitativo da ciência e, consequentemente, maior eficiência e assertividade das decisões governamentais. Justamente por prezar vidas, a saúde dos negócios e o futuro de nossas crianças, precisamos investir em testagem massiva com inteligência crítica sobre os dados a serem consolidados.
É cediço que o custo da incerteza pode gerar sucessivas decisões políticas erradas de trágicas consequências econômicas e sociais. Portanto, investir seriamente na coleta antecipada de dados relevantes constitui pressuposto obrigatório para uma democracia eficiente que eleva a inteligência analítica como fiel conselheira da República. Mesmo nas horas mais escuras, a razão pensante é uma inapagável fagulha de luz a guiar o futuro da civilização.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., advogado, é conselheiro do Instituto Millenium.
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