Ouça este conteúdo
A CPI da Pandemia acabou na última terça-feira confirmando as mais desfavoráveis expectativas que tínhamos na data de sua instalação. Embora seja fruto de dois requerimentos, um deles de minha autoria, o relator da CPI, pai de um governador que devia ser investigado pelos senadores, conduziu os trabalhos, do início ao fim, como se o único motivo de existência da comissão fosse atacar o governo federal, ignorando todos os indícios de desvios de verba pública destinada pela União aos estados e municípios para o enfrentamento da pandemia.
Comissão poderia ter deixado um importante legado, mas optou por desperdiçar a oportunidade de fazer justiça às vítimas da doença.
Por causa dessa condução repleta de arbitrariedades, intimidações contra depoentes, desrespeito aos senadores discordantes, além do uso explicitamente eleitoreiro do espaço e do tempo de mídia proporcionado pelas sessões, optei pela elaboração de um voto em separado, no qual recomendei a rejeição do relatório oficial da CPI.
Em meu parecer, de forma alguma tento isentar o presidente da República dos erros cometidos ao longo da pandemia. Suas falas menosprezando vacinas e fazendo piadas sobre a gravidade da doença revelaram grave falta de empatia com as famílias das vítimas. As várias aglomerações que provocou e a recusa em usar máscara também foram comportamentos nada condizentes com o cargo que ocupa. No entanto, parece-me extremamente exagerado tomar esses fatos como fundamento para acusações de crimes, chegando-se ao cúmulo de se cogitar menção ao crime de genocídio, algo que carece completamente de materialidade.
Por outro lado, também foi bastante clara a premeditada ação de evitar a todo custo que as investigações da CPI alcançassem os estados e municípios onde haviam ocorrido operações da Polícia Federal, da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério Público Federal (MPF). Escândalos envolvendo recursos que deviam ser usados para salvar vidas foram registrados em várias partes do país. O Consórcio Nordeste protagonizou um dos mais famosos ao comprar 300 respiradores de uma empresa que comercializa produtos à base de maconha. Os equipamentos nunca foram entregues e o prejuízo estimado aos cofres públicos ficou em torno de R$ 48,7 milhões.
No entanto, não foi o único caso de desvio envolto a estranhezas. Em Santa Catarina, respiradores foram comprados de uma casa de massagem; no Amazonas, o vendedor foi uma loja de vinhos; e, no Distrito Federal, testes para identificação de Covid foram adquiridos numa loja de brinquedos. Tudo isso consta oficialmente em documentos dos órgãos de controle mencionados, mas, surpreendentemente, nada disso chamou a atenção do grupo majoritário da CPI.
Apesar da vergonha que essa omissão representa, felizmente, um grupo de deputados estaduais do Rio Grande do Norte mostrou-se disposto a fazer o que a CPI do Senado devia ter feito. Eles instalaram na Assembleia Legislativa do estado uma comissão de inquérito com o objetivo de rastrear a corrupção cometida com dinheiro que devia tratar vítimas da Covid. Partiram das evidências disponíveis, investigaram mais e outros dados vieram à tona. Tudo foi compartilhado com nossa equipe e incluído em nosso relatório.
Entre os avanços obtidos pelos deputados potiguares está a convocação e a quebra de sigilo de Carlos Gabas, secretário-executivo do Consórcio Nordeste. Os senadores se recusaram a aprovar o requerimento de minha autoria que o traria à Brasília; mesmo assim, a partir das evidências obtidas, meu voto em separado pede o indiciamento do ex-ministro de Dilma por organização criminosa, improbidade administrativa, corrupção passiva e fraude em licitação ou contrato dela decorrente.
Quanto à tentativa de blindar esse personagem e tantos outros notoriamente envolvidos em escândalos, penso que não seria justo deixar que tal atitude passe impune. Por essa razão, requeri à Procuradoria-Geral da República (PGR) que investigue se houve crime de prevaricação por parte da Mesa Diretora da CPI, conforme previsto no artigo 319 do Código Penal.
Por fim, é preciso registrar que essa comissão poderia ter deixado um importante legado, mas optou por desperdiçar a oportunidade de fazer justiça às vítimas da doença, pois escolheu, em vez disso, produzir “justiceiros” afeitos à pirotecnia e interessados em antecipar as eleições de 2022. É um final melancólico de uma CPI que será lembrada para sempre com frustração.
Eduardo Girão é senador (Podemos-CE).