Em um mundo de polarizações, de Biden e Trump, de vacina e antivacina, de fato e fake, infelizmente, em nosso país, um aspecto que também provoca um racha na opinião dos brasileiros é a política econômica. Auxílio emergencial, abertura do comércio, privatizações, tudo isso tem inflamado o meio político e tornado o consenso algo cada vez mais utópico. Talvez um dos temas que mais entrarão em voga, daqui para a frente, seja o novo imposto que o ministro da Economia, Paulo Guedes, deseja implementar, chamado por ele de “imposto digital”. Por críticos à ideia, já foi apelidado de “nova CPMF”.
A comparação não é à toa. Se não for implementado de maneira correta, o novo tributo já nascerá condenado pela opinião pública, assim como o seu antecessor. Mais do que adotar uma postura contraria ou favorável, seria nobre cada ator político se questionar: afinal, qual seria a finalidade do novo tributo? Um imposto, creio eu, deve ser visto como um meio, não um fim. Guedes tem o objetivo louvável de desonerar a folha de pagamento para o empresariado. Dessa forma, espera acelerar a oferta das vagas de emprego no país e reaquecer a economia. Mas vamos analisar o que já foi dito ou se presume do novo tributo.
A ideia é que a cobrança seja temporária, com alíquota de 0,2% apenas em movimentações financeiras digitais. Não é à toa que existem críticos à proposta, dado o histórico do Brasil com contribuições provisórias. Originalmente criada em 1996 para cobrir gastos do governo federal com projetos de saúde, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) é um grande trauma no meio político, ainda que a pesquisa realizada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em 2016, aponte que apenas 35% dos entrevistados sabiam explicar o que era a CPMF.
Recriada a partir do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), que por sua vez não tinha exatamente uma arrecadação específica, a CPMF começou com alíquota de 0,2%, que depois de um tempo passou para 0,38%. Mais tarde o destino dos recursos foi revisado e distribuído entre saúde, Previdência e Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. O problema é que toda vez que se efetuasse uma compra, depósito, saque ou cheque, essa tributação era cobrada de forma indiscriminada e para todas as famílias e empresas. Para os mais vulneráveis, a lógica de erradicar a pobreza e a fome poderia ser consequentemente invertida.
Muita coisa mudou de 1996 para os dias atuais. Marcos importantes como a Lei Complementar 101/200 (a Lei de Responsabilidade Fiscal) e a Lei 12.527/2011, que regula a transparência na administração pública, são avanços importantes que poderiam, se bem utilizados, se tornar mecanismos de controle sobre um possível novo imposto. Além disso, as unidades federativas implantaram desde então programas de incentivo à solicitação da nota fiscal, mediante apresentação do CPF, com restituições parciais. Por fim, a nota fiscal eletrônica e campanhas como o Dia Livre de Impostos (DLI) promovem uma visibilidade maior da população sobre o tema da educação fiscal.
Teoricamente, o terreno está, portanto, mais bem preparado. No entanto, a grande questão é: seria o novo imposto uma medida para reduzir a desigualdade ou um grande retrocesso? Ian de Porto Alegre Muniz, especialista em tributações fiscais e autor de diversos livros sobre o tema, com quem conversei, ressaltou algumas opiniões importantes, a exemplo da reticência de diversos economistas de primeira linha como Arminio Fraga Neto ou Marcos de Barros Lisboa, presidente do Insper. Também me lembrou que já pagamos 33% do PIB em tributos, e constatou que o novo tributo não deixaria de ser simplesmente um imposto a mais. Para ele, constituiria muito mais um fator perturbador que propriamente uma hipótese construtiva.
Como um tributo cumulativo – o que, na ciência de computação, seria recursividade –, o imposto é essencialmente obscuro em seu cálculo. O cidadão não tem visibilidade de como está sendo cobrado, diferente da clareza de um imposto de 10% sobre um salário de R$ 1 mil. Além disso, se incidir sobre transações digitais, pode acabar por inibir tais pagamentos. E isso colocaria o Brasil em uma situação delicada de retrocesso quanto à cultura digital, tendo em vista que em países mais desenvolvidos as transações por celular e tecnologias de aproximação já são muito comuns há vários anos. Por outro lado, poderia funcionar como uma grande ferramenta de combate à sonegação devido à facilidade de rastrear e tributar essas transações.
No entanto, praticamente todo empresário brasileiro (e sua empresa) ou investe em um tributarista ou paga mais impostos do que deveria, tornando-se menos eficiente que a concorrência. Ou, sem querer ou não, sonega impostos e se expõe a atitudes assimétricas do Estado. Enquanto uns têm sorte, outros são penalizados. A solução é o planejamento e a execução que fortaleceriam a demanda pela moeda, e tornariam a importação mais barata reduzindo a inflação com aumento do poder aquisitivo brasileiro. É a causa e o efeito, a confiança que leva à prosperidade.
O sistema tributário brasileiro encara interesses antagônicos. De um lado, um time de política econômica sendo constantemente cobrado pelas famílias e empresas sobre a retomada. De outro, uma classe política que analisa a melhor forma de ganhar capital político em cima disso. O que a sociedade espera é um plano concreto e coerente, uma política efetiva que, mesmo se depender de um imposto provisório, seja transparente e destinada àquilo que realmente foi proposto. O que nossos políticos precisam entender é que a economia precisa ser tratada aqui como um assunto de Estado, e não de um determinado político ou partido. Sem este entendimento, o descrédito da sociedade em relação à classe política prevalecerá, enquanto a confiança (causa), alicerce da prosperidade (efeito), sucumbirá.
Daniel Schnaideré CEO da Pointer By PowerFleet Brasil.
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