A cada início de governo o novo mandatário constata que os recursos disponíveis não bastam para cobrir as promessas que o elegeram
Em um momento em que os zumbis voltam a assombrar os vivos, em livros, filmes e seriados para televisão, não deveria nos surpreender que um morto-vivo enterrado em uma cova bem rasa em Brasília desse sinal de reanimação. Sua volta efetiva para aterrorizar os contribuintes, dependerá das poções e invocações de alguém muito mais poderoso.
Esse filme nós já vimos. Em sua mais recente produção, poderíamos chamá-lo, a falta de título melhor, de CPMF 4 O Retorno. O roteiro também não deverá ter grandes novidades: a necessidade de ampliar os gastos com saúde pública; o papel da CPMF na fiscalização de outros tributos; a promessa de que, com a aprovação da contribuição, virá a reforma tributária.
A cada início de governo o novo mandatário constata que os recursos disponíveis não bastam para cobrir as promessas que o elegeram. Ganha importância, aí, a questão que ficou oculta durante a campanha: de onde tirar o dinheiro para tantos projetos. Com margens de manobra muito estreitas, e as despesas de custeio da máquina pública em franca ascensão, resta apelar para o contribuinte. O que foi escamoteado durante todo o processo eleitoral como arranjar dinheiro é o que ganha maior importância no pós-eleitoral. Invertendo-se a lógica do bom pai, ou mãe de família, primeiro há o comprometimento com gastos, depois, a busca da receitas para fazer-lhes frente.
Nem cabe alegar que a extinção da CPFM teve um impacto significativo na arrecadação tributária, enquanto os comprometimentos com despesas permaneceram. Em 2007, último ano de sua incidência plena, a carga tributária total, aferida pela própria Receita Federal, equivaleu a 34,79% do PIB. No ano seguinte, a arrecadação, sem a CPMF, chegou a 35,80% do PIB. Bem verdade que, em 2009, caiu para 33,58%, mas em decorrência da crise econômica mundial. Porém, para 2010, as estimativas são de que alcançará algo em torno de 34,4% do PIB. Quer dizer: a arrecadação vai muito bem, obrigado. Ou seja, a perda de receitas com o fim da CPMF foi devidamente compensada com um aumento de arrecadação, este saudável porque resultante do crescimento econômico e não de alquimias tributárias.
Não que eu seja um inimigo da CPMF. Já defendi sua permanência no passado, desde que: fizesse parte de uma reforma tributária real e efetiva; não houvesse aumento da carga tributária, mas permuta com tributos que incidem sobre a folha de salários. Continuo pensando assim, mas, diante dos desenganos passados, não acredito que haja intenção séria nesse sentido.
A isca da reforma tributária já foi lançada várias vezes com o único propósito de pescar tributo sobre a movimentação financeira. Basta ver, aliás, o abandono a que foi relegado o último projeto de reforma tributária: apresentado pelo governo, foi simplesmente deixado às traças pelo próprio.
Ou seja, o governo federal quer reintroduzir a CPMF pura e simplesmente, com a única diferença que, agora, em razão da derrota em sua última tentativa de prorrogação (em 2007), terá de ser mais hábil na negociação com os demais interessados. E tudo indica que conseguirá. Para tanto, bastará dividir o bolo do novo tributo com os governadores, e, quem sabe, com os prefeitos. É um atrativo a que nem os governadores do PSDB e do DEM saberão resistir.
A triste verdade é que o Brasil se ressente da falta de uma oposição ideológica no próprio Congresso ao aumento da carga tributária. Há, sim, tanto o apoio como a resistência oportunista: sou a favor, porque estou com o e, principalmente, no governo; sou contra, porque estou fora do governo. O que não existe é uma sólida corrente política anti-impostos.
Não é exagerado afirmar que, hoje, uma voraz lógica arrecadatória permeia todos os órgãos e aparelhos do Estado, e não só os da Receita Federal e de suas congêneres estaduais e municipais. Diante disso, a perspectiva de que a CPMF seja reintroduzida pelos legisladores e, em seguida, validada pelos juízes é muito grande.
Impedir que a CPMF ressurja é tarefa da sociedade civil. Para isso, caberá, desde já, organizar um movimento amplo e apartidário, não restrito aos resistentes de sempre e capaz de não somente rejeitar um novo tributo, mas de propor um novo pacto tributário. A esse movimento caberá desmistificar a suposta necessidade de um novo tributo para cuidar da saúde do brasileiro; lutar pela reforma tributária pró-desenvolvimento do país; substituir a sanha do "arrecadar mais" pela do "gastar melhor".
Leonardo de Paola é advogado e doutor em Direito pela UFPR.
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