Os eventos ocorridos em Brasília no início do ano deixam claro o novo ambiente em que se desenrola a cena política brasileira, marcada por forte atuação do Supremo Tribunal Federal. Enquanto há bem pouco tempo a mídia brasileira divulgava a Operação Lava Jato, com o intuito de prender suspeitos de corrupção, agora noticia a Operação Lesa-Pátria, que tem como alvo pessoas supostamente ligadas aos episódios de oito de janeiro.
Se nunca na história do país se testemunhou um ataque como esse aos Três Poderes, tampouco se presenciou uma prisão em massa desse porte. A Defensoria Pública da União, após a realização de inúmeras audiências de custódia, concluiu que não havia razão da prisão preventiva para boa parte dos presos, ainda que eles venham a responder a processo. Mais de mil brasileiros lotaram o sistema penitenciário do Distrito Federal, possivelmente a maior apreensão simultânea em todo o Brasil.
O que se pode esperar dessa CPMI na sua conclusão? O mais importante seria o indiciamento dos verdadeiros culpados.
Boa parte dos presos apenas estava no acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília, mesmo sem necessariamente participar do vandalismo contra o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Para que seja possível identificar os responsáveis pelos ataques de 8 de janeiro, é importante separar inocentes de culpados por meio de investigação rigorosa.
Nesse sentido, a criação de uma CPI pode contribuir para aprimorar o trabalho conduzido pela Polícia Federal, sob a supervisão do Ministério Público, em atendimento a decisões do Poder Judiciário. Como existe um contexto político e ideológico polarizado envolvendo a conjuntura atual – que dificulta o andamento da apuração dos fatos –, a CPI teria o objetivo de esclarecer as autorias dos crimes perpetrados em janeiro, além de eventuais omissões cometidas por administradores públicos federais, estaduais e municipais no controle da segurança.
A Comissão Parlamentar de Inquérito é um dos instrumentos previstos na Constituição para que senadores e deputados federais exerçam uma de suas funções, que é fiscalizar a administração pública. Quando há um crime, a linha de processo deve seguir os ritos da investigação. Primeiro, deve haver os elementos mínimos de autoria e materialidade na prática de uma infração penal. No caso de vandalismo do dia 8 de janeiro de 2023, houve o crime, porém, seria necessária a investigação preliminar para identificar os vândalos. A partir disso, seria possível abrir um procedimento no Ministério Público (MPF), na Polícia Federal (PF) ou direto na Procuradoria Geral da República (PGR). Apenas após a provocação da PGR, há a assinatura de um juiz, ou seja, juiz não delega, pois o juiz não é delegado.
No entanto, nesse caso, como sabemos, foi um juiz que delegou a prisão coletiva das pessoas acampadas na frente do quartel. Eles foram presos por supostamente terem cometido crimes com penas de 15 anos ou mais. Todos de uma vez só, nos mesmos artigos, sem investigação, sem provas e sem individualização de conduta, ou seja, de "quem fez o quê". Em sua grande maioria, pessoas humildes, famílias inteiras que incorreram no crime de estar acampados em frente ao QG do Exército. Deve-se destacar que a maioria dos réus são primários e têm filhos menores de idade.
Independente dos fatos que serão apurados na CPI, as imagens de vários ônibus levando mais de mil e duzentas pessoas para um galpão vão repercutir historicamente. A direita conservadora precisa da sua comissão da verdade para esclarecer os fatos, assim como a esquerda teve direito à sua comissão da verdade. Uma democracia autêntica não se sustenta sem o escrutínio público. Quando se tira da população o seu direito de fiscalizar e questionar ações, uma ditadura está estabelecida.
O que se pode esperar dessa CPMI na sua conclusão? O mais importante seria o indiciamento dos verdadeiros culpados. Além disso, outros fatores aparecerão, como a presente irrelevância do MP; a necessidade de reforma do Judiciário; a prática do crime de tortura por autoridades policiais e judiciárias; o pagamento de indenizações aos presos que não tiveram o devido processo legal; e, por fim, o registro de crime de omissão das autoridades de diversos escalões.
Carlos Arouck, policial federal, é formado em Direito e Administração de Empresas.