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Domingo, 21 de maio. Começa uma megaoperação da polícia na Cracolândia. Gritaria, corre-corre, bombas de gás lacrimogêneo. Centenas de policiais fazem uma varredura na região e, ao lado de funcionários da prefeitura e de máquinas retroescavadeiras, desmantelam o cenário de morte e autodestruição humana que, vergonhosamente, convive com a cidade mais rica do país.

O prefeito João Doria gravou um vídeo para as redes sociais. Foi enfático: “A Cracolândia aqui acabou, não vai voltar mais. Nem a prefeitura permitirá, nem o governo do estado. A partir de hoje, isso é passado”. Foi precipitado. Não acabou. Com a dispersão dos usuários, uma nova cracolândia surgiu a menos de 400 metros da antiga, na Praça Princesa Isabel. O tráfico e o uso de crack continuaram. Outras cracolândias brotaram, do Minhocão à Avenida Paulista. A coisa não é tão simples. Não se resolve no grito e no marketing. É preciso um projeto sério, articulado, sem improvisações.

Acredito na determinação do prefeito e do governador de São Paulo. Mas espero que façam uma autocrítica da recente operação. Reforcem os pontos positivos e retifiquem os erros cometidos. Não é possível conviver com uma cidade assustadora: edifícios pichados, prédios invadidos, gente sofrida e abandonada, prostituição a céu aberto, zumbis afundados no crack, uma cidade sem alma e desfigurada pelas cicatrizes da ausência criminosa do poder público. Mas uma só andorinha não faz verão. É preciso uma ação articulada com todos os atores: governo, Judiciário, sociedade.

O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude

A cidade de São Paulo foi demitida por seus governantes. São Paulo, a cidade mais rica do país e um dos maiores orçamentos públicos, tem sido um retrato de corpo inteiro da ineficiência do Estado. E nós, jornalistas, precisamos mostrar a realidade. Administrações anteriores falavam de uma revitalização que só existia no papel. O novo governo merece um crédito de confiança, mas esperemos que não sucumba ao ilusionismo do marketing.

A dependência química tem muitas frentes: questões sociais, humanitárias, de saúde, combate ao crime, fortalecimento das entidades de recuperação de adictos, batalhas jurídicas e enfrentamento dos dogmas ideológicos. Basta pensar, amigo leitor, na gritaria contra as internações compulsórias. Sem decisão livre, por óbvio, não há recuperação consistente. O dependente precisa querer. Mas para exercer a liberdade é preciso ter um mínimo de capacidade de discernimento. A internação compulsória, não indiscriminada e feita com aval psiquiátrico, pode representar a ruptura das algemas que aprisionam o dependente num círculo infernal.

Observa-se, na contramão da realidade que grita nas trágicas esquinas da Cracolândia, um crescente movimento a favor da descriminalização das drogas, sobretudo da maconha. A descriminalização não ajudará nada. Ao contrário. Agravará, e muito, o drama das pessoas e da cidade.

Do mesmo autor:Glamourização das drogas alimenta a violência e prejudica a juventude (15 de agosto de 2016)

Leia também:Drogas: compreender para combater (artigo de Flavio Tincani e João Iensen, publicado em 1.º de junho de 2017)

A verdade precisa ser dita. Não se pode sucumbir à síndrome da avestruz quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Ele avança e vai ceifando vidas na Cracolândia, nos barracos da periferia abandonada e no auê dos bares e boates frequentados pela juventude bem-nascida. Movimenta muito dinheiro. Seu poder corruptor anula, na prática, estratégias meramente repressivas. A prevenção e a recuperação, únicas armas eficazes no médio e longo prazos, reclamam um apoio mais efetivo do governo e da iniciativa privada às instituições sérias que lutam pela reabilitação de dependentes. Elas rompem o círculo vicioso das drogas e criam o círculo virtuoso da recuperação e da ressocialização. É sempre melhor apoiar o que já funciona do que cair da tentação de criar novas estruturas.

São Paulo e o Brasil precisam encarar a realidade. A operação na Cracolândia, desmantelando um espaço cruel e vergonhoso, teve o mérito de abrir o debate.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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