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OPINIÃO DO DIA 2

Crenças explicam brasileiros

Com os americanos do Norte guardamos fortes seme­­lhanças, como as reveladas pelo estudo da Nova S/B: somos uma nação de tementes a Deus. Cremos na mesma proporção que os norte-americanos

Uma agência de publicidade paulista, a Nova S/B, e a consultoria The True Brand podem ter surpreendido o mercado de anunciantes, revelando dias atrás os indicadores de valores e atitudes dos brasileiros, estudo profundo feito em 22 cidades do Brasil, ouvindo um amplo universo, 2.700 pessoas. Entrevistas detalhadíssimas indicaram aquilo que "especialistas" na nossa alma sabem há tempo: a religiosidade é o bem mais precioso e forte na composição de nosso ethos. Depois vêm respeito aos mais velhos, igualdade de oportunidade, educação e trabalho duro. Somos, então, muito parecidos com os puritanos peregrinos ingleses que construíram a América do Norte? É o que se conclui. Isso exorciza nosso cognome de macunaímas.

Eu não fico surpreso com os resultados mostrados em São Paulo, em primeira mão, a 20 grandes anunciantes nacionais. Afinal, como não enxergaria ou intuiria essa realidade num país que transpira o sagrado em manifestações gigantescas, como a procissão de milhões no Círio de Nazaré, em Belém, nos 8 milhões de peregrinos que vão anualmente à Basílica de Aparecida, ou aos megatemplos de certas igrejas neopentecostais e nas marchas com Cristo? Ou, até, nas salas de cinemas lotadas para assistir a filmes que disseminam o kardecismo, crença mais ampla entre nós do que sobre ela revelam as estatísticas?

Venho de uma formação católica montada sob o catecismo tridentino (Concílio de Trento), base que prevaleceu até a solidificação das mudanças geradas pelo Concílio Vaticano II, materializadas no começo de 1970. Olhar atento para o fenômeno religioso, um pouco antropólogo, mais jornalista, fui acompanhando as mudanças no formal das crenças ao longo de décadas. Eu mesmo deambulei por outras até voltar à plena comunhão com a Sé de Pedro, aos 30 anos de idade. Mas não tenho dúvidas em afirmar: a despeito da intensa mobilidade religiosa dos últimos 40 anos, visível no amplo e crescente "mercado" dos novos movimentos religiosos entre nós, o essencial não mudou. O brasileiro continua cada vez mais identificado com o sagrado. Os nomes antes prevalentemente retirados do calendário católico – Antônio, Maria, Tereza, Boaventura, Abadia, José, Francisco... – abriram espaço para os de apelo bíblico, com Raquel, Saul, Moisés, Daniel, Dorcas, Jônatas, Josué. De preferência, os do Velho Testamento. Os cartórios de registro civil estão aí para confirmar essa cambiante proximidade com o sacro. Como também confirmarão a hercúlea tentativa de fugir do anonimato por parte da população que passou a dar nomes "criativos" a seus filhos, frutos de puro exercício de criatividade. Mas essa outra realidade comporta análise de uma diferente esfera de nossa identidade...

A procura de intimidade com o transcendental a olho nu é visível, por exemplo, nos adesivos colocados nos automóveis, com mensagens católicas e/ou evangélicas. É manifestação basicamente brasileira. Mas a expressão de fé que se conserva intacta, indica meu observatório, é o das palavras com conotação de prece e bênção: "Vá com Deus", "Se Deus Quiser", "Deus te Guarde".

O tempo dos grandes embates, com as pregações catequéticas dos padres Leonel Franca e Julio Maria, é só história. As catequeses evangélicas de Rafael Gióia Martins, idem. As igrejas evangélicas de origem americana, depois as gestadas no Brasil, foram se firmando no século 20 na vida nacional. A forte identificação dos estudos bíblicos montados pelos presbiterianos, batistas e assembleianos gradativamente deu espaço no mundo das crenças brasileiras a um pentecostalismo que se apropriou de elementos afro-brasileiros para justificar prosperidade material ou pobreza, saúde ou doença, "encostos" ou maldições. E igualmente para expurgar religiões de origem africana, fortes componentes da sincrética alma brasileira.

Com os americanos do Norte guardamos fortes semelhanças, como as reveladas pelo estudo da Nova S/B: somos uma nação de tementes a Deus. Cremos na mesma proporção que os norte-americanos. E nem estamos aí para pregações ateístas ou questionamentos científicos ou pseudocientíficos sobre a origem do Universo e do começo de tudo. No fundo, porque nosso espírito traduziu e assumiu a afirmação de Santo Agostinho de Hipona: Deus criou tudo do nada. É a creatio ex nihilo. E essa certeza é que explica o que somos e como tocamos a vida.

É simples: dando sentido até ao nada. Fazendo-o tudo.

Aroldo Murá G. Haygert, jornalista, presidente do Instituto Ciência e Fé, é professor do Grupo Uninter, do qual é coordenador do Projeto Memória Paranaense. É autor da coleção de livros Vozes do Paraná e de Seu Nome é João.

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