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A crescente judicialização da saúde e o rol taxativo da ANS

Imagem ilustrativa. (Foto: Parenting Upstream/Pixabay)

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Dados recentes da Agência Nacional de Saúde (ANS) revelaram um impressionante aumento de 374% das queixas de pacientes por negativa de atendimento de operadoras de planos de saúde na última década. Várias dessas queixas desaguam no Poder Judiciário, na forma de ações que visam à cobertura de tratamentos não listados pela ANS.

Uma das hipóteses que podem explicar esse aumento das reclamações contra empresas de plano de saúde é a maior percepção, por parte dos usuários, dos direitos que possuem em relação à operadora de seu plano de saúde. Outra hipótese óbvia é um alto índice de descumprimento das operadoras. Independentemente de suas causas, é certo que a judicialização de conflitos entre beneficiários e operadoras de planos de saúde é um fenômeno crescente.

Enquanto as operadoras continuarem a negar atendimento a seus filiados, a tendência que já observa é de aumento das reclamações e das ações judiciais

A possibilidade de coberturas pelo plano de saúde de tratamentos não incluídos na lista da ANS foi uma das controvérsias de maior repercussão na pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2022. A discussão principal foi sobre a natureza da referida lista – se taxativa ou exemplificativa. Por maioria de votos, a Segunda Seção do STJ definiu que o rol da agência reguladora seria, em regra, taxativo, ou seja, sem margem para ampliações.

Logo após essa decisão do STJ, em outubro de 2022, entrou em vigor a Lei 14.454, que instituiu novo critério, conhecido como “rol exemplificativo”. Segundo a lei, para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, caso o médico ou odontólogo prescreva tratamento ou procedimento não previsto no rol exemplificativo da ANS, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde se o tratamento tiver eficácia comprovada, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico, ou se houver recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou de ao menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional.

Em suma, a nova lei transformou o rol taxativo em uma lista de referência, de forma a tornar imperativa a cobertura, além dos tratamentos incluídos na lista da ANS, de qualquer tratamento respaldado por recomendação médica e embasamento científico. Contudo, mesmo com o advento da nova lei, as operadoras têm negligenciado o seu cumprimento, com a manutenção da conduta anteriormente praticada de restringir a cobertura aos procedimentos constantes na lista divulgada pela ANS.

Enquanto as operadoras continuarem a negar atendimento a seus filiados, a tendência que já observa é de aumento das reclamações e das ações judiciais – com grande chance êxito, diga-se. A limitação imposta por um rol taxativo resulta na exclusão de milhares de pessoas de tratamentos médicos essenciais, colocando em risco suas vidas.

Essa prática irregular não impacta apenas os segurados. Na verdade, há um efeito relevante também no Sistema Único de Saúde (SUS), que, embora tenha a pretensão de ser universal, carece de recursos para atender adequadamente a toda a população que dele necessita. Quando um segurado de plano privado de saúde tem um tratamento negado, muitas vezes é obrigado a se valer da cobertura universal do SUS – cobertura que deveria ter sido proporcionada pela operadora privada – e, com isso, divide ainda mais recursos públicos escassos.

Vale lembrar que, conforme disposto na Constituição Federal de 1988, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Além disso, são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público regular, fiscalizar e controlar as pessoas físicas e jurídicas que prestam esse serviço. A nós, cidadãs e cidadãos, cabe exercer a cidadania e representar contra as irregularidades identificadas, inclusive, se for o caso, acionar o Poder Judiciário para garantir a aplicação da lei e o exercício de nossos direitos.

Cíntia Fernandes é advogada, com atuação em Direito do Consumidor e Direito da Saúde e sócia subcoordenadora da unidade Brasília do escritório Mauro Menezes & Advogados.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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