É curioso que a tese de Darwin tenha causado tanto espanto, há 150 anos. Afinal, São Tomás de Aquino, desde o século XIII, nos lembra que a criação não é um processo estanque
No ano em que se comemora o bicentenário do nascimento de Charles Darwin, o autor da teoria evolucionista das espécies, cremos que é chegada a hora de procedermos uma análise crítica do alcance dessa teoria, mesmo porque os paradigmas científicos que a sustentam sofreram, desde aquela época, profundas e radicais transformações.
Para começar, temos que considerar o impacto ideológico que a teoria causou, em pleno século XIX, colocando em dúvida a tese religiosa da criação divina das espécies, o que sem dúvida não deveria ter ocorrido, porque não tivemos, na ocasião, o cuidado de separar com clareza a distinção entre os níveis da crença e aquele da pesquisa científica, o que sem dúvida contribuiria para demonstrar que se tratava de duas perspectivas complementares, não opostas.
Pois enquanto a perspectiva científica é a da explicação a partir de fatos observados, a perspectiva religiosa é aquela da compreensão simbólica, com vistas a dar coerência àquilo que se deseja encontrar. Não obstante, no final, ambas podem ser compreendidas no nível heurístico das formulações abstratas, tendo em vista que nunca nosso pensamento consegue exaurir a complexidade da ordem natural.
E é o que de fato ocorre com a teoria evolucionista de Darwin, que a partir da observação da transformação de algumas espécies vivas, transbordou "metafisicamente" para a concepção global de descrédito às crenças bíblicas do fixismo criacionista, o que evidentemente causou um efeito destruidor na concepção popular de "criação". Não obstante, bastaria nos termos lembrado de São Tomás de Aquino, que desde o século XIII nos lembra que a criação não é um processo estanque, mas sim que Deus cria o Universo numa ação contínua de transformação, a cada instante.
Ainda mais, Darwin nos sugere a ideia de uma ascendência progressiva no processo de evolução animal, da ameba até o homem, o que tem sido contestado por diversas pesquisas, pois, dentro de suas características próprias, uma ameba é tão evoluída quanto o ser humano, cuja complexidade corporal é um verdadeiro milagre físico-químico.
Outra dificuldade na aceitação de uma teoria evolucionista são os lapsos de tempo, maiores ou menores, que foram necessários para realizar as transformações biológicas dentro das espécies, o que nos faz perder uma possível conexão entre as diversas modificações que ocorreram, os chamados elos perdidos, quebrando a harmonia do processo evolutivo, assim também como acontece com o surgimento de espécies bizarras como o ornitorrinco, as aranhas assassinas, etc.
Com o avanço em torno das pesquisas sobre o DNA, que Darwin desconhecia, as novas conclusões alcançadas pelos geneticistas tendem a minimizar o papel criativo das mutações, colocadas agora muito mais no âmbito de um campo vital quântico, inter-relacionado: a alteração do DNA seria então mais um efeito do que causa das transformações biológicas. Como nos diz o professor Ervin Laszlo, "a natureza aparentemente é uma hierarquia encadeada de sistemas coerentes conectados de forma não localizada" (cfr. Conexão Cósmica, Petrópolis, Ed Vozes, 1999, p.89). É como se o processo evolutivo não dependesse mais tanto das forças do acaso, ou da adaptação, mas fosse o resultado interativo de muitos fatores condicionantes, criando novas formas de vida, independentemente de uma condição contínua de estágios evolutivos.
É por tudo isso que a tese criacionista tem ainda o seu espaço, na medida em que a própria teoria de Darwin se nos apresenta de forma bastante superficial, não apresentando respostas convincentes às novas pesquisas no campo da biologia e da genética. O conflito, pois, entre evolucionismo e criacionismo nos parece superável e suas origens remontam apenas na forma literal com que a Bíblia tem sido interpretada, como insistem algumas seitas protestantes americanas.
Daí porque a ortodoxia católica tem se aberto cada vez mais à aceitação das perspectivas de Darwin, como conseqüência natural de uma forma nova de ver o processo criativo de Deus, na qual os seis "dias" bíblicos são vistos muito mais como períodos do que o tempo de 24 horas, pois, como nos diz a própria Bíblia: "mas, vós, amados, não ignoreis uma coisa: que um dia para o Senhor é como mil anos e mil anos como um dia" (2 Pedro 3:8).
Por fim, tenhamos sempre presente em nós que a concepção de uma evolução teísta implica reconhecer o olhar atento do Criador no desdobramento do processo, que no final permitiu o aparecimento da inteligência humana, uma evolução finalista que nos coloca como um clímax que não se deve frustrar. Dessa forma, o desafio é nos tornarmos dignos da ação transformadora que a evolução nos sugere!
Antonio Celso Mendes é professor da PUCPR.
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