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Criar leis inteligentes deveria ser um dever do Estado

(Foto: Pixabay)

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Criar leis inteligentes não só é um dever de um Estado democrático, como uma imposição do bom senso. Estamos caminhando na direção de criar um Estado policialesco, em que o cidadão não é servido pelo Estado e sim serve ao mesmo. O Estado vem cada vez mais enxergando seus patrícios como potenciais bandidos, exigindo dos mesmos uma constante identificação para qualquer atividade, desde as simples até as mais complexas. Sustentando uma cultura cartorária e, cada vez mais, se afastando dos preceitos constitucionais muito bem lançados na Carta Magna de 88.

Não é sem razão o atual conflito no contexto do Poder Judiciário entre juízes garantistas e juízes progressistas. Os primeiros comprometidos com os direitos individuais em uma interpretação mais literal da nossa Constituição, ao passo que os segundos mais interessados nos resultados do combate à corrupção e de outros males, através de mecanismos nem sempre previstos na Constituição, obrigando-os a uma interpretação heterodoxa da mesma. É fato, porém, que há sempre a possibilidade de um meio termo, e esse se afirma através da inteligência.

A excessiva normatização, regulando todos os aspectos da vida do cidadão brasileiro, acaba por gerar uma reatividade.

Exemplo dessa rara prática no Brasil ocorreu através da lei que permitiu que os vendedores de imóveis que, no prazo de seis meses, adquirissem outro imóvel com a totalidade do valor da venda, ficassem isentos do pagamento de Imposto de Renda sobre lucro imobiliário. Antes, era comum a prática de um crime tributário, que se consumava através do pagamento em espécie dos valores que estivessem acima do valor (do imóvel) declarado no Imposto de Renda, evitando que existisse um excedente que pudesse ser considerado lucro imobiliário e, portanto, incidente de imposto sobre o mesmo.

A ilegitimidade da cobrança (embora legal) derivava do fato de que na prática não existe o lucro, uma vez que o imóvel vendido, com valor nominal superior ao declarado no Imposto de Renda, derivava do fato de que o Imposto de Renda não permite a anual e necessária correção monetária do valor declarado, criando uma diferença entre o valor de venda e o valor declarado que não se constitui propriamente em lucro.

Contra esta indevida cobrança, legal, insurgiram-se os contribuintes, por meio deste mecanismo de pagamento “por fora” e em espécie da diferença dos respectivos valores. Todas as leis anteriores limitaram-se a ampliar as punições para tal prática, sem resultado. Uma estupidez que foi corrigida com a lei que permitiu a isenção do pagamento do Imposto de Renda quando, no prazo de seis meses, fosse adquirido outro imóvel com o uso do valor integral recebido pelo vendedor.

Há muitos exemplos de leis com ausência de inteligência. A excessiva normatização, regulando todos os aspectos da vida do cidadão brasileiro, acaba por gerar uma reatividade, eliminando (ou, no mínimo, mitigando) os objetivos finalísticos da legislação em seu sentido amplo. Uma das inúmeras provas deste fato reside na pouco inteligente legislação paulistana que, de forma inédita no Brasil, criou o rodízio de veículos (para diminuir o número de carros), através da numeração de suas placas. Na prática, o efeito foi o inverso, posto que ao invés de diminuir o número de veículos em circulação, a medida aumentou a quantidade de carros, obrigando a cada cidadão a ter um segundo veículo, que passou a ser apelidado de “veículo do rodízio”.

Reis Friede é desembargador federal, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), mestre e doutor em Direito e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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