Em março desse ano, os brasileiros presenciaram um tipo de horror que estavam acostumados a ver apenas em noticiários internacionais e filmes. Os dois ex-alunos da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, que invadiram o antigo colégio e mataram 10 pessoas, colocaram nosso país definitivamente nas estatísticas de crimes bárbaros cujos planos nasceram em fóruns da deep web, a parte mais obscura da internet, aquela inacessível pelo Google e outros buscadores de conteúdo comuns. Inacessível, inclusive, pela maioria dos investigadores, pouco acostumados com esse nível de sofisticação criminosa. Aquela tragédia também fez, do modo mais drástico, com que as autoridades parassem de ver esse mundo virtual – sombrio e irresistível a tantos jovens – como mero roteiro de ficção. Agora também é nossa realidade. Precisa ser compreendida e seus males combatidos com rigor.
Estudos sobre o assunto são naturalmente mais numerosos nos Estados Unidos e em países europeus, regiões que colecionam um terrível histórico de atentados terroristas igualmente elaborados nessa rede irrastreável. Nas pesquisas provenientes desses países, algumas constatações são inegáveis. É fato que os sites e fóruns ativos ali são o habitat virtual de todo o tipo de contrabandista. Drogas pesadas, esteroides, armas e até órgãos humanos são negociados com frequência e facilidade. Mas o fomento a práticas criminosas não para por aí.
Há uma interminável disputa de sofisticação entre as forças de segurança, que querem manter a ordem e proteger inocentes, e pervertidos pertinazes, que dedicam-se a corromper jovens e adolescentes vulneráveis
Assassinos de aluguel, venda de material com pornografia infantil e ofertas de escravas sexuais ilustram um extremo quase inacreditável para pessoas comuns. “Como sites desses continuam online?” ou “por que a polícia não prende quem anuncia isso” são perguntas frequentes para novatos no assunto. A resposta passa pela tomada de consciência de que há uma interminável disputa de sofisticação entre as forças de segurança, que querem manter a ordem e proteger inocentes, e pervertidos pertinazes, que dedicam-se a corromper jovens e adolescentes vulneráveis.
Se antes o uso de cartões de crédito possibilitava algum nível de rastreamento, os criminosos passaram a trabalhar com bitcoins, uma moeda virtual totalmente desregulamentada. Se a derrubada de sites hospedados em servidores nacionais é relativamente fácil, buscam servidores em países distantes, sem histórico de colaboração com o Brasil. Mesmo quando um desses sites é derrubado, se o dono não for preso, dias depois surge um novo site, com outro nome, outro endereço e os mesmos vis propósitos.
Leia também: Momo e os novos riscos da internet (artigo de Cristiane T. Geyer, publicado em 8 de abril de 2019)
Leia também: A tecnologia é má? (artigo de David Brooks, publicado em 4 de dezembro de 2017)
Trata-se de uma guerra e os agentes policiais especializados não podem estar sozinhos nela. Imprensa, academia, entidades civis, governo e parlamento precisam tomar para si a responsabilidade de enfrentar esse problema. Por isso, na condição de membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, apresentei um requerimento solicitando uma audiência pública para discutir a deep web no Congresso Nacional. Nesta quarta-feira (24/04), especialistas se reunirão com parlamentares para, a partir do encontro, traçarmos novas ações de enfrentamento aos crimes praticados no submundo da internet.
Milhões de jovens e adolescentes vulneráveis dependem de nossa vitória nessa luta e o parlamento não vai se omitir.
Filipe Barros é deputado federal.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Deputados da base governista pressionam Lira a arquivar anistia após indiciamento de Bolsonaro
Enquete: como o Brasil deve responder ao boicote de empresas francesas à carne do Mercosul?
“Esmeralda Bahia” será extraditada dos EUA ao Brasil após 9 anos de disputa