Após uma considerável queda, os índices criminais já começam a retornar ao “normal” em um país com segurança pública anormal. Os homicídios tiveram uma redução histórica, principalmente quando lembramos que durante o governo Dilma Rousseff chegou a mais de 60 mil ao ano, algo difícil de ocorrer até mesmo em países em guerra.
A razão dessa redução não ficou muito esclarecida, e os “especialistas” de sempre apenas especularam. Como o maior trabalho da segurança pública fica a cargo dos estados, o governo federal ficou limitado a separar lideranças do crime organizado, um forte combate ao tráfico de drogas – com louvor à Polícia Rodoviária Federal – e a facilitação para a posse e porte de armas, apesar de que isso não faz parte de programa de segurança pública e, sim, a materialização do direito à legítima defesa. Essas ações por si só não parecem tão consistentes ao ponto de tamanha redução criminal, pois não houve alterações legislativas. As penas continuaram as mesmas, os benefícios, como saídas temporárias, visitas íntimas, progressão de regime, remição de pena e tantas outras igualmente não foram alterados.
A simples candidatura de Lula já foi um recado de que o crime pode compensar, pois ele não foi inocentado de nenhum dos que cometeu.
Um fator que ajuda a justificar essa redução é o fator psicológico. Quem estuda criminologia consegue perceber que houve uma ruptura no antigo sistema, uma mudança completa na visão do criminoso como culpado por seus atos e não como vítima da sociedade. Essa mudança de pensamento se transformou em mudança de comportamento e deu ânimo às forças policiais e esperança a grande parte da sociedade, oprimida pelo crime e muitas vezes pelo Estado que sempre buscava uma alternativa de penalizar seus cidadãos com mais taxas, impostos, burocracia e fiscalização, enquanto aos bandidos buscava cada vez mais o desencarceramento. As ações da polícia foram mais combativas nos últimos quatro anos, bem como diversos exemplos de reações de pessoas armadas, tanto na cidade como no campo, mostrando que a máxima “nunca reaja” não era mais bem assim.
Contudo, o resultado das eleições presidenciais mudou esse panorama, com o resultado do pleito apontando como presidente a partir de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva. A simples candidatura de Lula já foi um recado de que o crime pode compensar, pois ele não foi inocentado de nenhum dos que cometeu. Antes disso, seus ministros anteriormente indicados para o STF já haviam soltado traficantes, outros corruptos condenados na Operação Lava Jato, e mais de 32 mil presos devido à pandemia. Para coroar a bandidolatria, o ministro Fachin proibiu as operações policiais nos morros cariocas. O STJ seguiu na mesma linha, tornando uma tarefa quase impossível a condenação de traficantes, ignorando que o tráfico é crime permanente. Tentam transformar a realidade brasileira em um filme de Hollywood.
Mas nenhum recado foi tão bem dado como o do próprio candidato durante as eleições. Em diversas ocasiões, Lula deu sinal de que o ladrão era uma vítima da sociedade e a polícia uma instituição que o violentava. Em um dos discursos chegou a dizer que Bolsonaro não gostava de gente, gostava de polícia. Ficou muito bem entendido que, em sua concepção, polícia não era gente. Para coroar seu posicionamento, subiu sem apoio policial o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e colocou na cabeça o boné com o logo CPX. Após sua vitória, teve gritaria de comemoração nas cadeias e em bailes funk promovidos por traficantes em áreas dominadas. A festa já terminou e a conta está chegando. Os índices criminais começaram a aumentar, e continuamos sem alterações legislativas para aumentar penas e diminuir benefícios a presos e nem reformas no sistema penitenciário.
A cidade de São Vicente, litoral de São Paulo, por exemplo, sofre uma onda de crimes, com furtos, roubos e arrastões contra transeuntes, estabelecimentos comerciais e supermercados. A Rota e a Tropa de Choque da capital paulista foram acionados para reforçar o policiamento e conter essa onda. No dia seguinte, as ações criminosas se estenderam para Santos, a cidade vizinha. Em um supermercado, cerca de dez pessoas encheram os carrinhos de carne de primeira e simplesmente saíram pela porta da frente. Parece que a primeira promessa a ser cumprida foi a de picanha – e nem começou o mandato. O apelo psicológico do novo governo foi muito forte, havia vontade e só faltava a coragem, pois a verdade é que a lei já era e continua sendo incapaz de punir efetivamente esses crimes. A única coisa que impedia era um freio moral.
A ação da Polícia Militar nada mais é do que paliativa. Não é possível que uma sociedade tenha que viver com um policial em cada esquina. Praticamente não existe investigação no Brasil, apenas 8% dos homicídios chegam até a fase de sentença e esse número cai pra 3% no caso de roubos. Nos poucos casos em que há a prisão, o acusado é liberado na audiência de custódia; se condenado a cumprir pena, será logo beneficiado por saída temporária, remição de pena, progressão de regime... e volta a delinquir, pois é economicamente vantajoso para ele. No caso das “picanhas” do supermercado, trata-se de furto, e a pena não permite nem mesmo o regime semiaberto. Se, por um milagre, o autor fosse condenado, já iniciaria cumprindo pena em casa, sem falar na possibilidade de um juiz entender que se trata de furto famélico e não aplicar pena nenhuma.
A partir do ano que vem, os governadores terão que se esforçar para manter os níveis de violência toleráveis, pois sabem que não terão nenhum apoio nesse sentido do governo federal. Pois é, “o amor venceu”.
Davidson Abreu é analista de Segurança Pública, bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas, professor, escritor e palestrante. É autor do livro “Tolerância Zero” (Faro Editorial).
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