Desde que o conheci e até pouco tempo atrás, o Bitcoin havia passado por dois “invernos” bem discerníveis. No primeiro inverno, iniciado em fins de 2013, a criptomoeda ultrapassou os US$ 1 mil para, poucos meses depois, tocar o nível dos US$ 300 ou US$ 400, tendo assim se mantido por mais de 3 anos, até 2017. Nesse ano, então, o Bitcoin ultrapassou sua máxima histórica anterior e chega a US$ 19 mil. Mas o nível atingido durou muito pouco tempo: em poucos meses, já tínhamos o Bitcoin a menos de US$ 10 mil, chegando a valer US$ 3 mil logo depois. Ali se iniciava o segundo inverno do Bitcoin e das criptomoedas, que durou alguns anos, até 2020.
Dali em diante, vimos o Bitcoin e o mercado de criptomoedas entrando em um período de forte valorização. Por meses a fio, manteve médias móveis acima de US$ 30 mil, chegando a alcançar sua máxima histórica de US$ 67 mil em novembro de 2021, mais do que triplicando sua máxima anterior. Esse ciclo de altas e recordes chegou ao fim nos últimos dois meses. Depois de sucessivos derretimentos de preço, vimos um Bitcoin rompendo a barreira simbólica dos US$ 20 mil com muita velocidade.
Sejam todos bem-vindos ao terceiro inverno da história das criptos.
Sem muita reflexão, poderíamos supor se tratar de um inverno como os demais. Culpando, talvez, o colapso da Luna ou de alguma outra criptotrapalhada, imaginaríamos que se trata de um período de desconfiança simplesmente determinado por um ou outro evento, e que, uma vez superado, veríamos o Bitcoin finalmente tocar a faixa dos US$ 100 mil, levando consigo todo o mercado de criptomoedas.
Lamento ser o portador da má notícia, mas creio que estamos diante do criptoinverno que será o mais intenso até hoje, que vai durar muito mais do que de costume e trará “temperaturas” até hoje nunca vistas. E o rigor disso tudo decorrerá de dois fatores.
As criptomoedas nasceram em um ambiente de dinheiro farto e muito barato, por vezes gratuito. Com os primeiros programas de afrouxamento monetário, quantidades jamais vistas de dinheiro foram injetadas no mercado, ao mesmo tempo em que as taxas de juros tiveram suas menores médias históricas, com alguns bancos centrais experimentando taxas zero ou mesmo negativas como recompensa pelas disponibilidades monetárias. Se quase todas as classes de ativos do mercado viram-se largamente valorizadas com a fartura de dinheiro gratuito, não seria diferente com o Bitcoin e outras criptomoedas – inclusive algumas de natureza duvidosa –, que bateram recordes atrás de recordes.
Agora, pela primeira vez desde o seu nascimento, as criptomoedas terão que lidar com o desafio de um ambiente macroeconômico determinado por dinheiro cada vez mais caro e escasso. As consequências são facílimas de estimar: com um mercado pouco a pouco mais avesso ao risco, Bitcoin e outras criptos, considerados geralmente ativos do mais elevado risco, acabarão naturalmente por experimentar boa dose de fuga de capitais, com repercussão imediata e negativa sobre seus preços.
Mas o ingrediente mais determinante deste “inverno” será outro: as várias quebradeiras de empresas do mercado inaptas para lidar com os desafios de preços cada vez menores do Bitcoin e das outras criptos.
É que o mercado de criptomoedas mudou muito desde o último período de baixa. De lá para cá, passamos a ter corretoras operando mercados de futuros altamente alavancados, dando a qualquer usuário a condição de criação de ordens de compra ou venda de criptomoedas com exposição infinitamente maior ao valor dos ativos efetivamente depositados; instrumentos de investimento descentralizados, pelos quais empresas e usuários se emprestam criptomoedas entre si com garantia em outras criptomoedas, por vezes participando de operações de alavancagem sucessivas; a presença do próprio mercado de capitais, que agora passa a oportunizar a poupadores tradicionais o acesso a criptomoedas através de corretoras de investimentos e outros participantes do mercado. Enfim, o incremento significativo do volume e das interconexões no mercado torna mais dramáticas e significativas as tradicionais quedas de preço experimentadas pelo Bitcoin e seus pares.
O efeito já se faz sentir no mercado. Em pouquíssimo tempo, vimos a quebra cinematográfica da Terra, que evaporou do mercado US$ 40 bilhões em questão de dias, bem como outras empresas que, por problemas que vão de iliquidez a liquidação de suas posições, vão se vendo mais e mais em apuros. Tudo isso atua para intensificar ainda mais o medo do usuário, que fica tentado a vender as suas criptos para fugir de risco, o que leva os preços a caírem ainda mais.
Por isso, esse criptoinverno, que já se faz sentir e bem, será ainda pior. Teremos, penso, Bitcoin visitando preços não vistos desde 2018, provavelmente negociado abaixo de emblemáticos US$ 10 mil. Mas todo o inverno passa e esse também passará. Aos sobreviventes e aos corajosos, a renovação de uma oportunidade muito raramente vista: a de comprar Bitcoin e outras boas criptos a preços razoáveis, embarcando então em um “trem” que, quem sabe, nunca mais passará.
Jonathan Doering Darcie é doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do SUL (UFRGS) e co-fundador Netspaces.
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