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A crise da água e os caminhos para o não agravamento

A ideia de que os recursos naturais são finitos tem cada vez mais sido de entendimento global, e mesmo no tocante à água – que é um recurso renovável e abundante – há alerta sobre a sua escassa quantidade com qualidade para consumo. (Foto: Gabriel Rosa / Foto Digital/Gazeta do Povo)

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Desde o livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, de 1962, o mundo tem sido alertado sobre as ações humanas nocivas praticadas contra o meio ambiente. Este alerta veio em face dos efeitos nocivos do uso de pesticidas na agricultura; o livro influenciou a criação da Agência de Proteção Ambiental (EPA), nos Estados Unidos e, também tem servido até hoje como inspiração para o mundo.

No mesmo sentido, tem ocorrido o alerta mundial em razão do clima, conforme o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acenando em vermelho, em especial, para a energia de origem fóssil, como é o caso do petróleo, do gás natural e do carvão mineral. Esses combustíveis promovem o efeito estufa, que leva ao aquecimento global, que, por seu turno, influencia na natureza com a variação que afeta todos os recursos, inclusive a água. As mudanças climáticas, a poluição desenfreada e outras práticas contrárias ao meio ambiente estão levando a várias crises, sendo a crise hídrica uma delas.

A ideia de que os recursos naturais são finitos tem cada vez mais sido de entendimento global, e mesmo no tocante à água – que é um recurso renovável e abundante – há alerta sobre a sua escassa quantidade com qualidade para consumo. Segundo o Sistema de Autoavaliação de Eficiência Hídrica (Saveh), a água ocupa 70% da superfície da Terra, mas 97% desta água é salgada, restando como água apropriada para o consumo apenas 3%, dos quais 2,5% estão nas geleiras e outro 0,5% está em aquíferos subterrâneos de difícil acesso; resta, portanto, 0,04% de água disponível ao consumo e de acesso possível por estar na superfície, ou seja, nos rios, lagos e mangues.

Patente, portanto, a escassez, asseverada pela distribuição desse recurso natural. A distribuição hídrica no mundo não é equânime, conforme informa a Saveh, pois, de acordo com a própria natureza, 60% desta água concentra-se em alguns países: Brasil, Rússia, China, Canadá, Estados Unidos, Índia, Indonésia, Congo e Colômbia. Para compreensão da escassez, a este fator natural de distribuição deve ser adicionado outro elemento: a densidade demográfica. Número considerável de pessoas que forma núcleos densos em torno da água, dando origem ao adensamento demográfico em determinadas regiões, afetando, portanto, a variação e a disponibilidade da água por pessoa.

A ideia de que os recursos naturais são finitos tem cada vez mais sido de entendimento global, e mesmo no tocante à água – que é um recurso renovável e abundante – há alerta sobre a sua escassa quantidade com qualidade para consumo.

A questão da água para muitos países, como Israel, deixou de ser uma questão política para ser uma questão estratégica, segundo Alex Furman, professor de Hidrologia do Instituto Technion de Haifa, em entrevista à revista Superinteressante. Furman ainda diz que os israelenses superaram a escassez hídrica porque perceberam que esse insumo é a chave para o desenvolvimento sustentável. Israel, apesar de ser um país cercado pelo deserto, hoje produz seus próprios alimentos, sendo que 50% da sua água vem da dessalinização e do reuso.

O Brasil é um país que goza de privilégio no abastecimento natural de água, em especial de água própria para o consumo (água doce); no entanto, diante das variações climáticas e de problemas locais, nós estamos experimentando cada vez mais a escassez hídrica. Destaca-se, dentre os nossos problemas locais de abastecimento hídrico, a infraestrutura precária, tendo em vista, que, segundo a Saveh, dependendo do município, até 60% da água tratada para consumo se perde, especialmente por vazamentos nas tubulações. Além disso, a nossa coleta de água é irregular, principalmente pela ausência de estímulo à contenção urbana, inclusive doméstica, da água de chuva; e investe-se pouco na substituição energética, como o uso de painéis solares e energia eólica, o que viabilizaria, e muito, a economia do recurso hídrico.

A questão hídrica mundial tem levado a diferentes estratégias para conter a crise. Israel recorreu à dessalinização da água do mar e à água de reuso. Há, também, como alternativa, a transposição de rios e, principalmente, a conscientização da população. Embora possíveis, tais intervenções humanas na natureza, como a dessalinização da água do mar e a transposição de rios, sempre colocarão em risco o ecossistema, razão pela qual tais práticas deverão ser realizadas, conforme as peculiaridades, diante de casos extremos e após muitos estudos científicos.

No Brasil, para mitigação do problema hídrico poderíamos incluir as políticas públicas de fomento a recursos alternativos – energia solar e eólica – e, concomitantemente, investimento na infraestrutura para reparar as tubulações já existentes, contendo as perdas, e rigor total nas novas construções para se evitar desperdícios. A busca hoje é por caminhos que evitem o agravamento da crise hídrica. Nesse sentido, podemos destacar, também, o uso das águas subterrâneas e das águas residuárias tratadas. As águas subterrâneas podem levar ao abastecimento urbano em locais que já experimentam a falta d’água. Nesse caso, a prévia autorização, seguida do mapeamento das perfurações, a análise da qualidade da água do aquífero e a exploração com o rigor necessário para que seja de modo sustentável constituem os requisitos mínimos para tal operação.

No que se refere a águas residuárias tratadas – as já conhecidas águas de reuso –, devem passar pelo processo rígido de descontaminação para não representar risco à população, sendo certo que, no Brasil, este tipo de água só poderia ser utilizado para fins não potáveis, ainda que se cogite a hipótese de utilização para consumo humano.

O caminho para o não agravamento da crise hídrica local e global passa, necessariamente, pela conscientização da população e pela proteção dos corpos d’água, a fim de garantir o uso consciente desse recurso vital.

Benedita de Fátima Delbono é advogada, pós-doutora, doutora em Direito e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas.

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