Por serem interligadas, a falta de suprimentos dentro das cadeias globais de valor estabelece complicações em toda a rede de produção de bens e causa deficiência produtiva em setores adjacentes, isto é, um efeito cascata na cadeia produtiva do mundo.| Foto: Lineu Filho/Gazeta do Povo
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Após quase dois anos de crise sanitária, o setor produtivo nunca esteve tão perto de poder retomar sua produtividade em níveis pré-pandemia, principalmente com o aceleramento da vacinação populacional no mundo. Entretanto, o cenário internacional hoje atravessa por algumas turbulências para vencer a conjuntura pós-pandêmica da Covid-19, entre elas uma crise de desabastecimento. A principal cadeia de suprimentos do mundo, a China, está passando por um período de quebra produtiva decorrente da falta de insumos energéticos, que impede a continuidade produtiva do país, causando desabastecimento interno e externo.

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A falta de recursos energéticos é a principal responsável pela crise de desabastecimento na China. Isto é, com o aumento produtivo das indústrias para atender às demandas do comércio internacional, mais recursos energéticos foram necessários. Nesse sentido, a grande procura por fontes energéticas foi de encontro à escassez de carvão do país, que já havia reduzido suas importações do insumo para atender as metas de redução de carbono. A falta de carvão chegou a resultar em apagões na maior parte da China, atingindo indústrias e causando atrasos, quebras produtivas e, consequentemente, desabastecimento.

O retorno das importações de carvão pela China até poderia ser uma alternativa para a solução do problema. Entretanto, a produção da matéria-prima também passa por dificuldades produtivas no mundo todo, ocasionadas por fatores logísticos e climáticos. Nesse sentido, o preço da commodity subiu exponencialmente devido à queda da oferta e aumento da demanda de carvão. Segundo a investing.com, o preço do carvão saiu de uma mínima de US$ 38,55 por tonelada, em abril deste ano, até a máxima de US$ 160, em agosto.

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Implicações muito severas na produtividade da China reverberam dentro do cenário internacional, principalmente sobre as nações que mantêm relações comerciais ativas com esse país. Em suma, as cadeias de suprimentos ainda não conseguem alcançar os níveis de produção pré-pandemia, e esse cenário parece se estender ainda até meados de 2022. Portanto, as consequências já são imediatas.

Por serem interligadas, a falta de suprimentos dentro das cadeias globais de valor estabelece complicações em toda a rede de produção de bens e causa deficiência produtiva em setores adjacentes, isto é, um efeito cascata na cadeia produtiva do mundo. Como resultado, já é vista a suspensão de produção em fábricas pela falta de insumos, aumento nos custos de frete e atraso na entrega de produtos no mundo todo.

Diversos países e setores foram afetados pela crise produtiva da China. No Brasil, o agronegócio sofre ameaças de desabastecimento e implicações para as próximas safras. Isso se dá, principalmente, pela relação de interdependência assimétrica entre Brasil e China.

Apesar de a crise de desabastecimento não estar vinculada a políticas domésticas, são esperadas consequências em diversos outros setores da economia.

Em primeiro lugar, devemos considerar que, de uma perspectiva de vulnerabilidade e sensibilidade, a relação brasileira é mais frágil em relação à China, pela necessidade do país por produtos industrializados. Assim sendo, com a crise de desabastecimento chinesa, indústrias químicas estão sofrendo crescentes quedas produtivas e afetando o abastecimento de defensivos agrícolas e fertilizantes no mercado interno brasileiro. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já vinha, desde maio, monitorando o tema e já esperava que a falta de insumos agrícolas fosse atingir o país, como consequência da pandemia. Segundo o Diretor do Departamento de Sanidade Vegetal (DSV/Mapa), Carlos Goulart, haverá falta de fertilizantes para as próximas safras devido à dependência do Brasil da matéria-prima do exterior. Além dos fertilizantes, também é esperada a falta de defensivos agrícolas.

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Em suma, apesar de a crise de desabastecimento não estar vinculada a políticas domésticas, são esperadas consequências em diversos outros setores da economia. Ademais, somado ao aumento da inflação, é esperado, como consequência, o aumento de preços de produtos dentro do mercado interno, o que pode gerar efeitos negativos na percepção da população quanto ao governo Bolsonaro. Além disso, o tema chega ao Brasil para acompanhar outras pautas críticas ao governo federal, como a crise hídrica e a ameaça de greve dos caminheiros, temas de difícil resolução para o Poder Executivo.

Jason Luz é consultor de Relações Governamentais da BMJ.