Os cristãos ainda são o grupo religioso mais perseguido no mundo mesmo nesse difícil ano de 2020. Seus principais perseguidores também são os mesmos: o extremismo islâmico, o nacionalismo populista e os regimes autoritários. O que mudou com a pandemia do coronavírus, que concentrou as atenções do mundo, é que as minorias que já estavam esquecidas foram ainda mais prejudicadas. Cristãos de países como o Paquistão nos relataram que houve um aumento nos casos de violência religiosa neste ano.
Também este ano percebemos que os grupos extremistas derrotados no Oriente Médio encontraram um terreno fértil em alguns países da África, como Madagascar, Burkina Faso e Níger. Países onde não houve uma contrapartida estruturada do governo local. Quando mencionamos o continente africano é importante falarmos também de um país específico que nos é muito caro e que muitas vezes tem sua situação atual confundida com perseguição religiosa: Moçambique. Eu já estive naquela região como missionário por oito anos, conheço-o bem. Há três anos a região de Cabo Delgado, no extremo norte do país, sofre ataques de um grupo extremista. Aqui é importante entendermos bem o que acontece: igrejas e missões têm sido destruídas, mais de 2 mil pessoas já morreram, outras 500 mil tiveram de fugir de suas casas. No entanto, como o próprio bispo de Pemba (o brasileiro Dom Luiz Fernando Lisboa) nos esclareceu, não se trata de uma perseguição aos cristãos, pois também mesquitas têm sido atacadas e lideranças muçulmanas foram mortas. Este esclarecimento é importante para que não ocorra lá em Moçambique, que tem um histórico de bom relacionamento entre cristãos e muçulmanos, o que ocorre em outras partes do mundo: por causa de um agente externo, os que eram amigos tornam-se inimigos.
Por isso, mesmo que o tema da liberdade religiosa não ganhe tanto destaque quanto outros, é um tema fundamental para se buscar um mundo mais justo, fraterno, um mundo onde o ódio e a dor não sufocam a vida humana. Em suma, o mundo de paz que o papa Francisco tanto tem pedido.
A Fundação Pontifícia ACN tem como missão ajudar os cristãos perseguidos ou que estejam em necessidade. Para isso, temos três pilares: informação, oração e ação. Um cristão bem informado reza por seus irmãos que sofrem perseguição; quem reza sente compaixão pelos que sofrem e não consegue ficar indiferente; portanto, entra a ação. Uma das formas que a ACN encontrou de levar ao mundo a realidade dos cristãos perseguidos é com eventos que chamem a atenção de diversos setores, como o Dia de Oração pelos Cristãos Perseguidos, no 6 de agosto, e a Red Wednesday, que este ano ocorreu em 25 de novembro.
Na Red Wednesday iluminamos de vermelho – em memória ao sangue dos mártires – igrejas, monumentos e edifícios em vários países. Essa iniciativa nasceu aqui no Brasil, em 2015, iluminando o Cristo Redentor; hoje, já está disseminada em vários países, como Itália, Alemanha, Reino Unido, Filipinas, Canadá e muitos outros. Foram com iniciativas como essa, com os relatórios publicados pela a ACN e também com constantes notícias contando as histórias desses cristãos que sofrem apenas por causa de sua fé, que a ACN ajudou a manter viva a história de Asia Bibi – a cristã condenada à morte pela Lei da Blasfêmia no Paquistão – até que ela ganhasse a liberdade.
Para falar de tantos outros cristãos que ainda têm a sua liberdade tolhida por causa da sua fé, a ACN lançou durante a Red Wednesday o relatório “Presos em Nome da Fé”, sobre os cristãos detidos injustamente. No relatório, concluímos que a detenção de cristãos é uma das formas mais predominantes de perseguição. São 200 milhões de cristãos no mundo que vivem sob constante ameaça; é como se mais de 90% de toda a população brasileira sofresse ameaça simplesmente por conta da fé professada. É um dado que espanta, mas, todos os meses, nos 50 países que sofrem mais perseguição religiosa, em média 309 cristãos são presos injustamente.
Quando olhamos para a história desses cristãos que são presos em cadeias, campos de trabalhos forçados, impedidos de saírem de suas casas e até mesmo sequestrados por serem cristãos, parece algo absurdo para nós, que vivemos em um país com liberdade religiosa. São histórias como a da jovem cristã Maira Shahbaz, que foi sequestrada em abril deste ano, quando tinha apenas 14 anos. A diferença deste sequestro é que todos sabiam onde o sequestrador de Maira morava; ele foi ao tribunal de Faisalabad, apresentou um certificado alegando que havia se casado com ela e que a jovem tinha 19 anos. Mesmo a família apresentando a certidão de nascimento de Maira, o tribunal decidiu a favor do sequestrador por duas vezes. Maira conseguiu fugir de seu cativeiro e disse que foi drogada, estuprada e obrigada a abandonar o cristianismo. A família está escondida, uma vez que o sequestrador ameaçou matar a todos.
É para dar voz a pessoas como Maira Shahbaz que informamos, rezamos e tomamos atitudes concretas. É por pessoas como a Maira e tantos outros que o Cristo Redentor e tantas igrejas e monumentos no mundo todo foram iluminados de vermelho, para dar voz àqueles que sofrem simplesmente por viverem a sua fé.
Frei Rogério Lima é assistente eclesiástico da ACN Brasil.