Estive em Cuba na virada do ano por quinze dias, em plenas comemorações do cinquentenário da revolução patrocinada por Fidel Castro e Che Gevara. Foi uma volta no tempo, mais especificamente para os anos 50. Impressionante como o país – compulsoriamente, conservou-se naquela época. A maioria dos prédios preserva a mesma pintura (ou falta dela). O mesmo se diga com relação às calçadas, à fiação elétrica e à arquitetura. No primeiro contato com Havana estiquei meu braço na rua e já estava andando num táxi Chevrolet 1954 absolutamente original. Atravessei o país e percebi um lugar muito distante de nossa realidade, com uma população absolutamente pobre e carente de necessidades básicas. Dezenas foram as vezes em que fui abordado por crianças pedindo um caramelo e mães pedindo leite ou um pedaço de sabonete de hotel usado. Pergunte a um cubano o que ele acha da revolução e a resposta é unânime: é ótima, maravilhosa, libertadora. Aperte um pouquinho e vem um sorriso amarelo. Aperte um pouco mais e ele ou sai correndo ou confessa que a única resposta plausível é aquela sob pena de ir, como já foram cerca de 100 mil conterrâneos, para o paredón.

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Liberdade e opressão, magicamente, se confundem.

Um cidadão cubano ganha hoje o equivalente a aproximadamente US$ 15 mensais, algo em torno de R$ 40. O topo da pirâmide que trabalha, a classe médica, pode chegar a seus US$ 30 por mês. Falta o essencial: roupa, comida, saneamento e água encanada. O socialismo imaginado por Che ao pregar a educação como lastro de crescimento social afastando o analfabetismo na ilha dois anos após a tomada do poder, em 1961, foi aniquilado pelo embargo econômico patrocinado pelo Tio Sam. Hoje a educação dos cubanos é filtrada e ditada pelos interesses militares dos irmãos Castro. O acesso à internet é altamente restrito, seja por filtros estatais seja pelo preço incompatível com a realidade social cobrado nas duas únicas lan house de Havana ou nos hotéis de luxo. Como a televisão só sintoniza o canal estatal, cuja programação se resume a novelas (inclusive brasileiras) e a propaganda da revolução, o maior passatempo do cubano é sentar na rua ou se debruçar na sacada admirando a cidade ou conversando com a vizinhança. Os cubanos transitam de um lado para o outro enquanto suas crianças brincam livremente numa cidade com baixíssimos níveis de criminalidade. Havana é uma cidade linda, cercada por história e romantismo. A ilha é banhada parcialmente pelo Mar do Caribe e a infraestrutura hoteleira (o turismo é a principal atividade econômica atualmente) é invejável. Os cubanos são extremamente solícitos, simpáticos e curiosos em saber mais sobre o Brasil que veem na novela diariamente. Não podem viajar a não ser que tenham dinheiro, que sejam convidados por estrangeiros, sempre com prévia autorização do governo.

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Na volta, os olhos se satisfizeram ao reconhecer as marcas anunciadas de aparelhos celulares, ao ver os conhecidos carros nas ruas e as mesmas cadeias de alimentação amplamente anunciadas nos outdoors. Mas ainda não estava em casa, e sim numa escala na Cidade do Panamá. Poderia, entretanto, ser Paris, Nova Iorque, Buenos Aires, ou qualquer cidade de médio ou grande porte do mundo ocidental. O consumo globalizado regrado pelos ditames comerciais centralizados em grandes grupos econômicos nos oferece a mesmice capitalista que deve nos confortar e satisfazer. Estaremos mesmo livres?

Bernardo Rücker é advogado.