A promulgação de leis municipais tratando de temas altruístas é recorrente, mas muitas delas estão repletas de inconstitucionalidades. Há leis tratando de crianças e adolescentes desaparecidos, ampliando o rol de beneficiários de meia-entrada e instituindo campanhas socioeducativas. Apesar da indiscutível necessidade social exposta em seus propósitos, todas desrespeitam a Constituição Federal porque, primeiro, não é de competência municipal tratar desses assuntos; e, segundo, porque transferem a responsabilidade pública para as empresas privadas, as quais não possuem qualquer responsabilidade por tais atos.
Em nosso ordenamento jurídico existe a hierarquia das normas jurídicas, em que a Constituição Federal ocupa o ápice da pirâmide. Assim, as demais normas devem respeitá-la para não ter sua validade questionada, pois, se isso ocorrer, são previstos meios para a respectiva norma ser expurgada do sistema legal.
Dessa forma, a própria Constituição prevê o controle da constitucionalidade, sendo uma das formas de fazê-lo o controle jurisdicional repressivo, que poderá ocorrer de forma concentrada ou em abstrato, quando há a declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese, independentemente de existir um caso concreto. Porém, nessa situação, o rol dos legitimados é restrito e taxativo, e a competência para julgá-lo é do Supremo Tribunal Federal, quando a lei ou ato normativo federal ou estadual viola a Constituição Federal (artigo 102, inciso I, alínea "a", da CF); ou dos Tribunais de Justiça dos Estados, quando a lei estadual ou municipal ferir a Constituição Estadual (CE).
O controle jurisdicional repressivo age ainda pelo controle difuso, também conhecido por via de exceção ou defesa, que permite às partes litigantes, como questão prejudicial e vinculada ao pedido principal, requerer a inconstitucionalidade diante da análise de um caso concreto, visando afastar a norma aplicável ao caso sub judice por ser incompatível com a CF ou a CE (dependendo da regra estabelecida). Nesse caso, o julgamento poderá ser realizado pelo juízo de 1ª instância.
Dessa forma, diferentemente do controle concentrado, o nosso ordenamento jurídico permite que a pessoa física ou jurídica, por meio do controle repressivo difuso, possa discutir a inconstitucionalidade de lei municipal ou mesmo estadual que padeça de vícios formais (ocorridos durante o processo de formação da norma) ou materiais (falhas quanto ao conteúdo), cujos efeitos lhe atinjam.
Com enfoque na legislação municipal, salienta-se que os municípios possuem competência constitucional para legislar principalmente sobre assuntos de interesse local; deve ainda suplementar a legislação federal e estadual naquilo que couber e instituir, e arrecadar os tributos de sua competência, conforme previsto no artigo 30 da Constituição Federal. Tem ainda competência comum, juntamente com a União, estados e Distrito Federal para legislar sobre, verbi gratia, meio ambiente, saneamento básico, construção de moradias, combate às causas da pobreza etc. A competência municipal para legislar, apesar de ampla, tem limitações, haja vista que não pode legislar em assuntos sobre os quais a Constituição Federal determinou qual ente público teria legitimidade de tratar, e é exatamente aqui que se observam abusos, pois existem leis municipais que são promulgadas violando as disposições da Carta Magna, especialmente quanto à competência sobre a matéria.
Nesse passo, e para evitar dúvidas quanto à legitimidade, é que a Constituição Federal tratou da organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, fixando as competências privativa, comum, concorrente e suplementar/remanescente entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. Portanto, cada ente tem seu poder para ditar normas sobre determinados assuntos previstos na Constituição Federal. Como consequência, essas normas devem ser promulgadas de acordo com a competência estabelecida pela Carta Magna, sob pena de ocorrer a inconstitucionalidade da norma e, assim, haver o controle jurisdicional repressivo, visando expurgá-la do ordenamento jurídico.
O excesso de Poder Legislativo deve ser combatido, pois não se pode admitir a vigência de leis que afrontam a Constituição Federal, mormente quando dela decorrem obrigações para empresas privadas, cuja responsabilidade lhe é totalmente estranha pela atividade econômica que exerce, violando não só o princípio da proporcionalidade, mas causando também instabilidade e insegurança jurídica.
É importante salientar que é reservado à iniciativa privada o exercício da atividade econômica, garantindo a livre concorrência (artigo 170 da CF). Portanto, suas obrigações devem ser correlatas às suas atividades, não se devendo aceitar lei municipal que legisle sobre assuntos que não são de sua competência e, o que é pior, que transfira para entidades privadas obrigações que são de responsabilidade pública. Nessas situações, não resta alternativa àqueles que foram prejudicados senão buscar a tutela do Poder Judiciário para requerer a inconstitucionalidade da respectiva norma e, como consequência, que a mesma seja expurgada do ordenamento jurídico. Por derradeiro, denota-se a plena possibilidade de vindicar a tutela judicial para repugnar obrigações criadas ou transferidas por leis municipais fadadas de inconstitucionalidade para empresas privadas.
Ricardo Costa Bruno, coordenador jurídico do escritório de Maringá da Martinelli Advocacia Empresarial
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