Na semana passada a Gazeta do Povo publicou notícia sobre decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou mais de 37 mil contratos firmados na década de 90 pela Cohab-Curitiba. Os imóveis não possuíam o devido projeto aprovado na prefeitura nem o registro no cartório.
Já estamos acostumados com esse tipo de notícia, a Encol e outras tantas estão na memória de nosso povo. Ainda no mês passado a revista Veja publicou matéria sobre centenas de pessoas que adquiriram imóveis da Cooperativa dos Bancários de São Paulo (Bancoop), e não os receberam. Entre estes o próprio presidente Lula! Para entender o problema, precisamos fazer um breve histórico sobre a aquisição de imóveis no Brasil.
O sistema jurídico nacional se fundamenta na liberdade de forma para a contratação, a regra é da autonomia das partes e do consensualismo. Entretanto, o Código Civil impõe algumas regras em determinados negócios, e a compra de imóveis está entre elas. O art. 104 estabelece que a validade do negócio requer forma prescrita ou não proibida em lei. Mais adiante, prevê a necessidade de escrituras públicas para negócios que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis. Há exceções, sendo permitido o contrato particular quando o valor do negócio for de até 30 vezes o maior salário mínimo. E, ainda, durante os últimos 60 anos, vários outros dispositivos legais foram admitindo a contratação por instrumentos particulares. Entre os quais os contratos onde há financiamento bancário, loteamentos, penhor rural, incorporações, etc.
As exposições de motivos dessas legislações foram, invariavelmente fundamentadas no princípio da desburocratização e suposta "diminuição" de seus custos, em oposição às escrituras públicas feitas por tabelião. Ou seja, realizadas pelos nossos legisladores nas melhores das intenções. Porém, o que temos visto após todas essas décadas? Em primeiro lugar, justamente as pessoas mais simples, que adquirem imóveis de valor de até 30 salários mínimos, e também as que necessitam de financiamento bancário, ficaram sem assistência legal. Ou seja, são obrigadas a assinar contratos particulares de adesão denominados "com força de escritura pública". Contratos estes, nos quais os preços cobrados de forma indireta pelos bancos, por exemplo, tais como taxas de cadastro e outras, são pelo menos 50% mais caras que as escrituras feitas em cartório.
Entretanto, a consequência mais séria não é esta, mas sim a absoluta insegurança jurídica a que estão sendo expostas milhares de pessoas, chegando ao cúmulo de serem usados ilegalmente até por entes públicos conforme notícia deste jornal. Passou-se a acreditar que a compra de imóveis é possível por contratos particulares sem registro em cartório, e que assistência jurídica é desnecessária. Há uma máxima no mundo dos negócios, segundo a qual, "a segurança de uma operação é inversamente proporcional ao seu conforto e custo".
Portanto, paciente leitor e futuro adquirente de imóveis, não vale a pena economizar na contratação imobiliária. Certifique-se da legalidade do contrato e de seu preço, comparando-o a uma escritura pública. A opção por um ou outro é um direito garantido pela lei.
Angelo Volpi Neto é tabelião e escritor