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"O moço que não chorou é um selvagem. O velho que não ri é um tolo." (George Santayana)

Depois de demorados, pertinazes e exaustivos esforços, a morte conseguiu levar José Alencar. Para muita gente, o mundo parece se dividir entre os realistas que o encaram com permanente amargura e desencanto, sempre carrancudos e mal-humorados; e os frívolos, que desprezam as realidades sombrias, não porque as desprezem e sim porque não conseguem entendê-las. José Alencar não era nem uma coisa nem outra: foi capaz de enfrentar as mais duras realidades que a vida lhe reservou com sobranceria, bom humor e superioridade. Existe algo mais revelador de seu caráter do que seu encontro com os repórteres, à saída de uma de suas dezenas de internações? "Rezem por mim. Eu estou satisfeito porque sou assim mesmo, mas o negócio está feio!". E em tom sério: "Se Deus Pai quiser me levar agora, estou pronto".

A mineirice de José Alencar não deve ser confundida com a de outros conterrâneos lendários por sua esperteza e sua marotice. Benedito Valadares, vivíssimo, interventor e governador de Minas, mentor de Tancredo Neves e Juscelino Kubitschek gostava de se fazer de ignorante e criava seu próprio folclore. José Maria Alkmin conseguiu o milagre de ser ministro da Fazenda de um governo que os militares consideravam o mais corrupto da história do Brasil, o de Juscelino e, depois, ser eleito vice... do marechal Castello Branco, o primeiro presidente militar, em 1964. Perguntado, no auge da crise da deposição de João Goulart, sobre a posição de Minas Gerais, respondeu aos jornalistas com um primor de astúcia: "Minas está onde sempre esteve. E desse ponto, não se arredará nunca!".

José Alencar não era esse tipo de mineiro, pois era uma pessoa de posições absolutamente claras, que demonstravam seu pensamento de maneira cristalina, sem meias palavras. Eleito vice-presidente de Lula, ele se mostrou mais afinado com o discurso desenvolvimentista que este dizia encarnar, do que o próprio presidente. Enquanto Lula abraçou a política dos juros escorchantes de seus assessores monetaristas, que fizeram e fazem a delícia dos banqueiros no Brasil e dão ao nosso País a duvidosa honraria de ter gasto nos últimos dez anos mais do que um PIB anual inteiro pagando os juros mais altos do mundo dito civilizado, José Alencar não se conformou. Como alguém que pertencia à economia real, ao mundo da produção, não conseguia entender como o país, cronicamente carente de capitais, poderia se desenvolver colocando sobre o setor produtivo e a população, uma canga de chumbo. E não teve medo de dizer exatamente isso em público sempre que teve oportunidade, criando desconfortos internos e externos. Só que tinha um dom raro, o de contrariar interlocutores sem ofendê-los, manejando a linguagem com habilidade, com ironia sutil e com delicadeza.

Tendo ficado imune às delícias do poder corrompedor, que arrastou José Dirceu e seus colegas mensaleiros, Alencar mostrou uma outra faceta de seu caráter, a compostura. Enquanto o presidente Lula se debatia entre as promessas de renovação de seu governo e a lealdade cúmplice aos velhos companheiros, aos seus più cari amici que não conseguiram resistir às Land Rovers presenteadas, aos "recursos não contabilizados" e aos mimos financeiros do publicitário mineiro, José Alencar se recolheu discretamente e não tentou, em momento algum, desestabilizar a Presidência em seu próprio favor, o que, aliás, teria sido fácil naqueles momentos.

Para tentar colocá-lo na mesma canoa de favoritismo e de compadrio, um patrulheiro ideológico qualquer fez vazar na imprensa a informação de que havia intercedido em favor do filho de um correligionário, para que este fosse aceito em um programa de residência médica. Um pecado imperdoável... Meu sangue antipatrulha ferveu e escrevi um artigo neste mesmo espaço, com o título "Compadre Alencar", desancando a crítica e os críticos. Dias depois, este modesto escriba da província recebe um bilhete pessoal de Alencar agradecendo a defesa. Bilhete que agora passa a ter um valor ainda mais especial.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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