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O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, falando durante a entrevista coletiva deste sábado (28)
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, falando durante a entrevista coletiva deste sábado (28)| Foto: EFE/EPA/ABIR SULTAN

Tentar descrever em uma palavra que reflete meu sentimento aqui em Israel seria indignação. Frases prontas usadas frequentemente nos meios de comunicação como "matar todo o mundo", "aniquilar" etc. não fazem parte do meu modo de ver. Pelo lado de Israel, frases como “vamos vencer” ou “somos fortes e unidos” também não contribuem, pois não há confiança entre as partes. Talvez a melhor forma de se expressar seria “minimizar as perdas” ou “gerenciar o fracasso”.

Inimigos existem e sempre existirão. Cidades como Roma, Cartago e Constantinopla sobreviveram com uma infinidade de tribos querendo destruí-las. E fica a pergunta: como Israel, com um orçamento infinitamente maior do que estes grupos de guerrilhas, não consegue se proteger? Ariel Sharon mostrou anos atrás o caminho construindo um muro na cidade de Tulkarem, eliminando praticamente as incursões terroristas na cidade de Netanya.

Israel não está em guerra. Israel vive um conflito no sul do país com um nível alarmante de vítimas. 

Minha indignação é com a negligência e descaso administrativo e operacional da administração e das forças de segurança. Como a administração dirá às famílias que sofreram perdas de entes queridos que a causa principal foi a negligência governamental? Não há como justificar. A forma mais sensata seria demitir neste momento a cúpula do governo, incluindo o primeiro-ministro, e do exército, trazer pessoas capazes para pelo menos tentar obter o apoio da população. E fica a lição de que, em tudo na vida, o que se trata com negligência e descaso tem resultados catastróficos.

Aproveito para relatar uma passagem que aconteceu em abril deste ano. Uma vez por ano vou ao sul do país em um dos assentamentos próximos a Gaza para um churrasco. Na volta do churrasco, resolvemos ir até uma base para ver a fronteira. Entramos de carro na base e não tinha guarita e ninguém tomando conta. Meus filhos subiram nos tanques e somente após 15 minutos apareceu um soldado sem camisa e com uma toalha no ombro. Quando vimos a fronteira de Gaza, ficamos perplexos. Era uma cerca de arame farpado. Parecia mais uma cerca para manter os bois na fazenda. Esta mesma base onde estávamos, foi onde morreram dezenas de soldados. Só para reforçar: sempre existirão inimigos, mas foi a negligência administrativa e operacional a responsável pelas perdas humanas de proporções alarmantes.

Podemos traçar vários paralelos e episódios na história para analisar a situação. Mas talvez uma comparação entre um time de futebol e um país seria apropriado. A principal posição em um time de futebol é a posição de goleiro. Um goleiro excepcional é requisito básico para qualquer time de sucesso. Ele permite compor a estratégia de defesa, minimizar danos e principalmente transmitir confiança ao time. Estados se comportam como um time de futebol cuja função principal é defender sua meta. Vale lembrar que civilizações levantaram muros, barreiras e outras formas de defesa antes de expandirem. Investimento em jogadores de defesa também é bem inferior a jogadores de ataque. Assim como no futebol, o desenvolvimento de tecnologia de defesa e construção de muros é bem inferior à manutenção e desenvolvimento de tecnologia de ataque.

Como a administração dirá às famílias que sofreram perdas de entes queridos que a causa principal foi a negligência governamental?

A segunda posição, após o goleiro, e o centroavante. Este deve marcar uns gols para garantir a vantagem competitiva no jogo. O resto do time são figurantes e jogam em função do centroavante e do goleiro. Um país deve atacar em cenários de disputa até o ponto que garanta uma vantagem competitiva. No caso atual de Israel, criar uma zona morta (zona neutra) para garantir a segurança da população, mas sem esquecer da lição número um que é ter uma defesa sólida. Talvez, Israel tenha esquecido das lições básicas do futebol e da posição de goleiro. Erguer uma defesa sólida é fundamental antes de pensar em atacar para se defender.

Ouço alguns canais de mídia nos EUA, Inglaterra e em Israel a declaração "destruindo o Hamas". O Hamas é uma organização ou uma marca dedicada ao terror, à destruição de Israel e às atrocidades, mas é uma marca. As operações militares precisam destacar e nomear de forma única o inimigo a fim de ganhar o apoio da opinião pública. E este inimigo é o Hamas. Mas o Hamas é uma marca que une milhares de pessoas. Destruir uma marca não eliminará o ódio de sua população contra Israel. Se a marca for destruída, o inimigo poderá renomear e reinventar a organização e continuará a operar, desde que haja fundos suficientes. Nada vai mudar.

Pode-se especular que o deslocamento recente da Câmara dos Deputados dos EUA pode indicar uma coordenação temporal com os ataques. Os congressistas republicanos que viraram de lado podem ter recebido incentivos substanciais. Independente do motivo, o problema é que, sem um congresso, nenhuma legislação pode ser decidida a favor de Israel, e o governo dos EUA tem possibilidades limitadas de ação além da transferência e realocação de ativos militares para Israel.

O Hamas é uma marca que une milhares de pessoas. Destruir uma marca não eliminará o ódio de sua população contra Israel.

Israel tem de se defender de uma forma organizada. Existe a necessidade premente de reabastecer suas munições, em particular o sistema antimísseis (Iron Dome), e construir uma muralha sólida nas fronteiras. O primeiro é atualmente fornecido pelo governo dos EUA, enquanto o segundo depende da aprovação do Congresso dos EUA para fundos. É importante ressaltar estas baterias antimísseis pois é a única peça de artilharia que fornece uma segurança real à população. Somente depois que a fronteira estiver completamente assegurada de uma maneira abrangente e sólida, Israel será capaz de executar políticas de longo prazo. Levará anos para construir uma barreira sólida e, até lá, nenhuma política significativa visando a paz é crível o suficiente para ser implementada. Isso vai muito além de uma simples destruição de uma marca terrorista.

A Bíblia diz que o povo judeu permaneceu 40 anos no deserto depois de partir do Egito. Explica-se que 40 anos foram necessários para que uma nova geração que não tivesse sido escrava pudesse construir um novo país. Israel hoje é liderado por aqueles que lutaram durante a guerra. Essa geração não só controla a política, mas impacta na opinião pública. Independentemente do viés político da mídia, a retórica em relação à guerra é a mesma. Palavras como destruir, matar e outras são constantemente utilizadas. Até a palavra guerra é mal usada. Israel não está em guerra. Israel vive um conflito no sul do país com um nível alarmante de vítimas. O uso da terminologia da guerra, alinhada à retórica dos indivíduos, contribui para a deterioração da saúde mental da nação. Pior de tudo, as crianças que sofreram durante o longo período de Covid voltaram a frequentar as aulas remotamente. É hora de essa geração de veteranos se afastar e abrir caminhos para uma nova geração de líderes.

Tendo chegado a Israel como turista e vivido em Israel muitos anos, sem motivos religiosos nem sionistas, eu não sabia sequer da existência de feriados como o dia do Memorial e o TeshaBAv, um feriado de destruição do templo. Nunca entendi completamente por que Israel tem tantos feriados de lamentações e sofrimento. Depois de um tempo, cheguei à conclusão de que estes feriados de luto se politizaram: se a pessoa é liberal vai respeitar o dia do Memorial e se ela é profundamente religiosa, ela vai respeitar o TeshaBAv que representa a destruição do templo. O feriado principal de luto, o Yom Kipur, tornou-se banalizado. Israel deveria rever suas tradições profundas, cancelando muitos desses feriados menores de origens religiosas ou nacionais e reforçando os valores do Yom Kipur. Ter muitos eventos de luto cria uma conexão constante com o passado e com o sofrimento. Na minha opinião, esse excesso de luto e sofrimento contribuem negativamente para qualquer tentativa de obter a paz na região através de uma recordação constante do passado. Há uma passagem interessante da bíblia do rei Menachem. Talvez o único rei na história judaica que alcançou a paz em sua vida fazendo concessões. Outros reis estavam constantemente envolvidos em conflitos.

Devemos voltar ao básico e entender o que precisamos como indivíduo para ter uma vida boa e tranquila. Não é o aspecto religioso, nem sionismo, nem terra que faz um indivíduo feliz. Mas saúde, segurança, estabilidade financeira e educação. Devemos acordar de manhã e perguntar (1) o que devo fazer hoje pela minha saúde, (2) o que devo fazer para me sentir seguro, (3) o que devo fazer hoje para trazer recursos e (4) o que vou aprender hoje. Israel esqueceu as lições básicas e deveria voltar à primeira série e fazer as mesmas perguntas básicas para sua população, em vez de se envolver em discussões sem sentido sobre o sistema político, religião etc. Como o país vai melhorar a saúde mental da população, dar segurança, dar oportunidade e gerar empregos e investir em educação? Só depois de responder a essas perguntas básicas é que o país poderá se graduar. Mas até que o país atinja a graduação, ele deve garantir intransigentemente sua segurança, pois sem segurança Israel não será capaz de se formar e produzir uma nova geração de líderes.

Solon José Spiegel é engenheiro e empresário residente em Tel-Aviv.

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