| Foto: Atila Alberti/Tribuna do Parana

As inundações em áreas urbanas frequentemente têm sido associadas às ocupações irregulares, portanto, a culpa é das pessoas que colocaram suas residências em áreas sujeitas ao alagamento. Então, se isso é verdade, o que explicaria o que aconteceu em Curitiba no dia 21 de fevereiro de 2019? As ruas centrais da cidade literalmente ficaram debaixo da água, carros flutuando como botes e as ruas eram rios. Curitiba debaixo d’água e parada, aulas suspensas, trânsito parado, um verdadeiro caos.

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A expansão urbana, tratada como sinônimo de desenvolvimento, não apenas reflete um novo padrão de vida, cercado pelas tais comodidades modernas, mas também significa a perda de importantes serviços prestados pela natureza, como o controle natural de inundações. A urbanização, na verdade, representa uma profunda transformação do meio ambiente, com o desmatamento, a permeabilização do solo, a perda da biodiversidade, o adensamento populacional etc. Esse processo também tem sido acompanhado pela marginalização de parte da sociedade, como ocorreu em Curitiba. Aí sim temos um estímulo à ocupação humana das áreas marginais ao centro urbano, que poderiam amenizar a perda dos serviços prestados pela natureza.

Qualquer chuva que exceda a média histórica provocará inundações na região central 

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Em 2016, publiquei um estudo que avalia o impacto das mudanças no uso e ocupação das terras no agravamento de inundações na Bacia Hidrográfica do Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira. Essa região abriga 3 milhões de pessoas, incluindo Curitiba, com densidade demográfica superior a 500 pessoas por km². É sabido que essa região tem elevado volume pluviométrico, com indicações de aumento na intensidade. Com isso, a impermeabilização nas áreas centrais e marginais eleva a probabilidade de ocorrência de inundações.

O estudo mostrou que Curitiba apresenta muito alta possibilidade de ocorrência de inundações, e seu entorno alta possibilidade. Significa que pouco adianta realizar obras de drenagem nas áreas centrais, se o entorno não tiver capacidade para absorver essa água. Neste sentido, o estudo propõe que seja respeitada a capacidade ecológica de suporte da região, propondo mudanças no uso e ocupação das terras. O resultado seria uma redução no entorno da possibilidade de ocorrência de inundações para moderada e baixa. Contudo, desde sua publicação o que se observa, com base nos mapas de uso e ocupação das terras, é um intenso avanço da urbanização nas áreas marginais de Curitiba, do desmatamento e da impermeabilização. O resultado não poderia ser outro, qualquer chuva que exceda a média histórica provocará inundações na região central e com o agravamento no entorno.

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A solução passa por uma mudança na política de uso e ocupação das terras nos municípios que compõem a Bacia Hidrográfica do Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira. Para isso, o comitê gestor da bacia, em parceria com as prefeituras, deveria identificar as áreas que contribuem para o controle natural de inundação e propor sua proteção integral, a fim de maximizar esse serviço prestado gratuitamente pela natureza. Além disso, as áreas rurais produtivas do entorno, o cinturão verde, deveriam ser preservadas, evitando sua conversão para uso urbano ou industrial, ou seja, evitar sua impermeabilização. Outras medidas são necessárias, como aumento da permeabilidade nas áreas urbanas, construção de parques, redução no uso de sistemas impermeáveis como calçadas, estacionamentos etc. No entanto, o que se observa é justamente o contrário, um intenso processo de conversão das áreas rurais em urbanas e de impermeabilização, contribuindo para o agravamento futuro das inundações na região.

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O problema é que essa solução exige um custo: o controle e a restrição quanto ao uso e ocupação do solo, em sua maioria privado. Mas não fazer nada, também implica em um custo, como as perdas materiais e humanas. Quanto as instituições e pessoas perderam no dia 21 de fevereiro de 2019? Qual o limite de perda sem que comprometa a capacidade de recuperação das perdas materiais? As perdas humanas não há como recuperar, portanto, quantas vidas vamos sacrificar em nome da urbanização e do crescimento sem uma adequada gestão ambiental? 

Junior Ruiz Garcia, diretor da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná e pesquisador do CNPq.