O aumento do número de automóveis em uma cidade como Curitiba é um fato normal do seu crescimento e das suas perspectivas de incremento de renda para a população. Isto não quer dizer que devamos aceitar o carro como única opção de mobilidade. Uma coisa é certa: o número de carros vai aumentar; o que não precisa aumentar é a dependência do uso do carro como única alternativa.
O que precisa ser modificado é a cultura que existe nessa dependência. Ou seja, os itinerários de rotina precisam ter no transporte coletivo a melhor alternativa. Nos próximos dez anos será fundamental não só para cada cidade, mas para toda a humanidade, encontrar uma solução cada vez melhor do seu transporte coletivo para diminuir radicalmente os efeitos do câmbio climático, já que o automóvel é responsável por mais de 50% das emissões de carbono. Não há dúvidas que as cidades obrigatoriamente terão de exercer esse papel.
O imaginário de parte do povo de qualquer cidade sonha com o metrô. A razão é simples: na cabeça das pessoas está lá um comboio onde se embarca no mesmo nível para ir rapidamente ao destino, porque não é preciso cruzar ruas nem esperar sinais de trânsito. Em parte isso é verdade; só em parte. Nessa viagem virtual não se conta o tempo que o passageiro necessita perder para descer na estação, caminhar em longos corredores e, ao fazer conexões, perder outro tempo subindo e descendo escadas, tormento para idosos e mulheres com crianças. Resultado: o tempo de percurso, contado a partir do momento em que você acessa a estação, leva 30 a 50 minutos. Isso quando a freqüência é de 2 a 3 minutos, tempo considerado bom para um metrô. É verdade, no subsolo o veículo é mais rápido, mas as conexões e percursos em escadas e corredores prejudicam sua performance. Ao contrário, na superfície o veículo é mais lento, mas embarques e conexões se fazem com muito mais rapidez.
Não podemos esquecer que as cidades que têm redes completas de metrô começaram a construí-las há mais de 100 anos, quando era mais barato trabalhar no subsolo. Hoje, redes completas existem em Londres, Paris, Moscou e Nova York; e no Japão e na China. As demais grandes cidades têm algumas linhas e o restante em superfície. São Paulo tem linhas de metrô, mas 84% da população se desloca na superfície. O que é fundamental no sistema de superfície é que sua operação seja "metronizada", ou seja, operada como um metrô e com freqüências melhores, de minuto a minuto. Não sou contra um metrô, quando existe possibilidade financeira e tempo; sacrificar gerações esperando uma linha por 20 anos não me parece inteligente.
Se o custo para realizar uma única linha já é caro, imaginem a irresponsabilidade de propor sistemas em que fatalmente haverá necessidade de subsídio porque a operação não se paga; e esse recurso certamente esvaziaria o já parco orçamento para investimento social.
Fomentar a necessidade de metrô depreciando o sistema em superfície, pois ele na verdade está sendo canibalizado em virtude da redução da freqüência, e o conseqüente congestionamento das estações-tubo, não me parece correto. É importante lembrar que os tubos do expresso e ligeirinho foram pensados para freqüências de minuto em minuto, as vezes 30 segundos. A manutenção de um bom sistema de transportes exige cuidado constante, e é muito fácil dizer que o sistema está superado quando se reduz a qualidade e a freqüência do sistema.
O sistema de Curitiba tem perspectivas em longo prazo, principalmente com a entrada das linhas na BR-116, e a possibilidade de se colocar os ligeirinhos nas canaletas.
A questão da mobilidade é um dos desafios cruciais de qualquer grande cidade. Problemas de mobilidade urbana causam perdas econômicas expressivas, desperdiçam o tempo e a energia de seus cidadãos em deslocamentos, e sobrecarregam a atmosfera com gases poluentes. Os deslocamentos têm que se realizar de forma digna, rápida, confortável e de baixo custo. A chave para a mobilidade reside na combinação e integração de todos os sistemas metrô, ônibus, táxis, carros, bicicletas dentro daquilo que cada um tem de melhor, ou seja, os sistemas não podem jamais competir em um mesmo espaço. Cada um deve desempenhar dentro de suas especificidades, cabendo ao cidadão realizar seus deslocamentos de acordo com suas necessidades da forma mais inteligente e eficiente talvez essa seja então uma solução para a mobilidade no futuro.
Jaimer Lerner é arquiteto e urbanista. Foi prefeito de Curitiba (1971-1975; 1979-1983; 1989-1992) e governador do Paraná (1995 a 2002).