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O setor da educação superior passou por mudanças radicais nas últimas décadas. Um exemplo disso é a permissão de que empresas explorassem essa atividade. Isso atraiu o capital internacional e deu origem aos Big Players educacionais. A maior parte deles tem seu negócio baseado em cursos EaD de baixa qualidade e com custos reduzidos, em todas as áreas, incluindo para formação de professores. Coincidentemente, de sete anos para cá, houve um aumento acelerado dessa modalidade de ensino, justamente no mesmo período de vigência da Portaria Normativa 11/2017, editada pelo Ministério da Educação, que permite a criação de polos a distância sem o processamento prévio de pedidos de credenciamento e com a dispensa fiscalização no local, tudo com base na nota de avaliação geral.
As IES com “conceito institucional” 3, 4 ou 5 ficam automaticamente liberadas para instalarem até 50, 150 e 250 polos, respectivamente. O que ocorreu, na prática, foi a desregulamentação da política de ensino a distância, o que levanta sérias questões para debate. Para essas empresas, a educação se tornou negócio, com foco na rentabilidade e não na educação em si.
O Censo da Educação Superior 2023 – INEP confirma tais observações, por exemplo, o Brasil já tem mais do que o dobro de matrículas em cursos de educação/formação de professores quando comparado com os países membros da OCDE e, no entanto, não teve melhoras relevantes na formação dos estudantes e continua a apresentar resultados ruins em provas internacionais, como ocorre com o Pisa, que é o principal exame de avaliação do desempenho de estudantes entre 15 e 16 anos.
Isso não surpreende quando é considerado o apontamento feito pelo INEP, segundo o qual, apenas um dos Conglomerados Empresariais Educacionais possui 669.275 discentes (99,9% matriculados no EaD) e emprega apenas 258 professores, ou seja, a proporção de professor por aluno equivale a 1 educador para cada grupo de 2.594 graduandos.
Recentemente, o ministro da Educação Camilo Santana homologou o Parecer CNE 4/2024, do Conselho Nacional de Educação, e determinou que a formação a distância de professores deve ter, a partir de agora, no mínimo, 50% de presencialidade. Sendo mais preciso, as licenciaturas preveem uma carga horária de, aproximadamente, 3.600 horas para sua conclusão. Analisando esses cursos em partes, é possível identificar que o núcleo 1 (estudos de formação geral) poderá continuar a ser totalmente remoto, mas os demais não. Então os núcleos 2, 3 e 4, que dizem respeito, respectivamente, ao aprendizado e formação de conteúdos, às atividades de extensão e aos estágios curriculares demandam, cada um, 880h, 320h e 440h presenciais.
Embora não seja o suficiente, a decisão do Ministério da Educação em relação aos cursos EaD para formação de professores é um passo firme no caminho correto e também um aceno que demonstra que a educação é um serviço público delegado à iniciativa privada, sempre de interesse nacional. A verdade é que os professores também devem ser escutados, precisam ter um amplo e respeitado lugar de fala; esse momento, no entanto, ainda não chegou.
Há diversas reclamações da parte deles que são bem fundamentadas, como é o caso do excesso na vinculação das licenciaturas à BNCC (base nacional curricular comum), o que gerou uma forte padronização/estandardização dessas formações, relegando a um papel de importância secundária os projetos pedagógicos de cursos que deveriam analisar todas as necessidades locais e regionais e criar as ferramentas mais eficientes de ensino para aquele público específico.
Da parte das faculdades, centros universitários e universidades que não estão ligadas aos Big Players educacionais, principalmente aquelas sem fins econômicos e mais interiorizadas, que surgiram com a vocação principal voltada para formação de professores, é necessário que possam tomar assento relevante nesse debate, colocando os seus pontos de vista.
Por fim, é necessário dizer que não se está aqui a condenar o ensino a distância por si mesmo, mas não há motivos para incentivar algo que não possui paralelo no mundo, porque não se pode citar outro país que, em condições normais, tenha abdicado da educação presencial como seu principal instrumento de ensino. Essa inusitada situação poderia ter ocorrido no Brasil não fosse a pertinente intervenção do Ministério da Educação, que deve ser congratulado por isso.
Dyogo Patriota é assessor jurídico da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (ABRUC) e do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB).
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos