Há certas coisas na Previdência Social brasileira que passam batidas para a maioria dos especialistas, da mídia, dos políticos, da população e até dos servidores do Ministério da Previdência Social (MPS) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O ministro Garibaldi Alves é astuto, hábil, sensato, político e, "como bom cabrito, não berra". Este é seu lado nordestino, potiguar, que lhe deu sucessivos mandatos, liderança e prestígio. Certamente é o único político da atualidade, de todos os partidos da base e extra-base, que está fazendo um "intensivão" em Previdência Social, vivenciando na prática fatos, artimanhas, injunções e experiências na administração do MPS e do INSS, o que outros políticos nem imaginam que possa ocorrer numa situação normal.
Ele finge que tudo é normal e que não é com ele. Aprendeu desde cedo além de descascar abacaxi a engolir sapos sem coaxar para levar adiante a missão que lhe foi confiada pela presidente Dilma e pelo seu partido, o PMDB. Recentemente, no episódio da demissão do secretário de Política de Previdência Social, Leonardo Rolim, mais um "sapo" foi engolido.
Claro que estamos ao lado do ministro quando postulamos que o MPS deve ter a formulação e o comando de coordenação da política de Previdência Social, o que lhe cabe legalmente, mesmo sabendo que esta atribuição constitucional foi usurpada pelo Ministério da Fazenda "Social" de forma abusiva, atrabiliária, com profundas repercussões e sequelas no modelo previdenciário construído ao longo de 92 anos com seriedade, competência, responsabilidade e respeito internacional. Portanto, instalou-se uma situação de anormalidade.
O ministro e o ex-secretário apenas verbalizaram o óbvio quando admitiram em público um crescimento nominal no déficit previdenciário em 2014 (na estrita relação contábil da apuração do mesmo déficit, seja receita corrente líquida menos arrecadação de contribuições sobre folha) com base na evolução das despesas com pagamento de benefícios. Ambos apenas não previram que suas eventuais colocações pudessem ferir suscetibilidades e vaidades dos deuses da Fazenda "Social", acostumados à manipulação de dados estatísticos que já preocupam o mercado e as instituições multilaterais, como o FMI e a União Europeia. Sem falar que a comunidade acadêmica acendeu a luz vermelha para as alquimias do superávit primário, financiamento da dívida interna e endividamento da União, estados e municípios que contaminaram outros indicadores.
O Ministério da Fazenda "Social" acabou com a receita previdenciária, incorporada intempestivamente à Receita Federal, e desde então assumiu o comando de formulação e coordenação da política previdenciária. A ação do MPS e do INSS ficou adstrita à concessão e à manutenção de benefícios.
Ouvi de um ex-ministro do governo Lula a afirmação de que, se estivesse à frente do Ministério, isso não teria acontecido. Mas o desastre maior ocorreria em seguida com a forte ampliação das renúncias de contribuições previdenciárias (isenção da contribuição patronal), o mais grave sem contrapartidas efetivas. A Fazenda "Social" ignora que a contribuição patronal (zerada) financia a aposentadoria do trabalhador e que a conta será paga pela sociedade.
Depois da queda, outro coice, com a imposição da desoneração da contribuição sobre a folha, um presente para a classe patronal e um ferro para a classe dos trabalhadores e para a própria Previdência Social. Sei que o patronato queria o fim da contribuição sobre a folha e não morre de amores pelo Seguro Social, mas a Fazenda "Social" optou pela desoneração, como instrumento de política fiscal que é uma violência sobre a qual os trabalhadores não se manifestaram e aceitaram cabisbaixos, submissos e indiferentes.
Nós, da Anasps, fomos um dos únicos que protestamos, porém em vão.
Estamos vivendo um momento de descaminhos impostos à Previdência pela Fazenda Social, que pode custar muito caro ao país caso os segmentos pensantes não reajam às violações do projeto "Pacto de Gerações" de Eloy Chaves, especialmente agora que sistemas previdenciários de todo o mundo começam a enfrentar a crise do crescimento exponencial dos maiores de 70 anos. O bônus demográfico está se extinguindo e teremos logo o ônus demográfico que será compartilhado pelas futuras gerações.
A Previdência Social não pode e não deve ser instrumento de política fiscal. É o grande instrumento de política social, com contribuição atuarial definida para fins específicos. Tanto é verdade que, da crise de 2008 para cá, foi a Previdência Social que suportou o impacto do descalabro fiscal e financeiro, mantendo a coesão social.
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