Em Frankfurt, junto ao rio Main, tivemos o nosso Waterloo. A derrocada final de Napoleão Bonaparte, aconteceu na Bélgica, não muito longe de onde fomos destroçados pela tropa de Zidane, há 191 anos quase exatos (15 de junho de 1815).

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Batido pelos ingleses e prussianos, o artífice da nova Europa (e também de uma nova América do Sul) abdicou pela segunda e última vez. Waterloo tornou-se símbolo de algo que transcende ao desastre militar. Significa ruína, desmoronamento, declínio, soçobro e também decadência, esgotamento, caducidade, obsolescência.

Enganam-se aqueles que ainda discutem o que fazia agachado o lateral Roberto Carlos no momento em que Tierry Henry, num salto de bailarino, despachava os canarinhos para casa. A tragédia – como todas – não aconteceu no tempo regulamentar. Começou muito antes, envolve mais gente do que os jogadores convocados e a Comissão Técnica.

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A superpotência futebolística chamada Brasil (a expressão é do "Economist") não poderia ruir com um gol apenas. Alemanha, Inglaterra, Portugal, Argentina e Equador não foram destroçados. Caíram. O mesmo certamente dir-se-á do perdedor deste domingo.

Fomos destroçados. Literalmente. Destroçados pela empáfia mas também por um desfibramento que comprometeu não apenas o empenho de atletas mas a nossa resistência às tentações e às facilidades. A forma resignada com que aceitamos a absolvição dos mensaleiros e provavelmente aceitaremos a sua reabilitação em outubro, tem muito a ver com o processo de monetização que, através do marketing, pretendeu vender a idéia de uma infalibilidade futebolística fantasiosa e distante.

O gramado é uma metáfora da vida. Certos jogos – e mesmo algumas peladas – têm o poder de representar figuras, situações, esquemas, sistemas, valores e conceitos que não entraram em campo mas estão ali, participando de todos os lances.

Nosso Waterloo, tal como o original, precisa ser estudado, debatido, aprofundado, levado às últimas conseqüências. Só assim será exorcizado. A perversa ingenuidade que nos levou ao vexame precisa ser examinada com estetoscópios, microscópios e telescópios de modo a deixar de ser um episódio infeliz para converter-se num paradigma a ser substituído. Se não o fizermos com o futebol não conseguiremos evitar a contaminação do resto.

Derrotas podem ser mais úteis do que triunfos, desde que se convoque um ingrediente chamado coragem para encará-las. Derrotas produzem verdades com mais durabilidade do que as produzidas por triunfos. Mas as verdades precisam ser ditas não apenas ao longo da próxima semana mas enquanto durar o intervalo até a próxima prova.

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Muito se falou nesta Copa sobre a cobertura da mídia, eletrônica ou impressa. Não foi uma casualidade, não é um fenômeno isolado. Quando uma cobertura vira notícia, alguma coisa está errada com esta cobertura e as notícias que produz.

O jornalismo como espetáculo produz distorções. Distorções que podem parecer insignificantes ou pitorescas mas num mundo em que tudo é relevante – principalmente o sistema de fabricar relevâncias – elas não podem ser escondidas debaixo do tapete. Distorções ou torções precisam ser corrigidas, podem levar um campeão para o banco dos reservas.

Nosso Waterloo também ocorreu na longínqua Europa. Cada vez mais longínqua. Mas começa aqui: num gramado que tem as dimensões de um continente, com um placar que exige atitudes drásticas e num torneio em que as mudanças são obrigatórias.