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Após voto de Benedito Gonçalves contra Deltan Dallagnol, ministros levaram um minuto para votar junto com ele.
Após voto de Benedito Gonçalves contra Deltan Dallagnol, ministros levaram um minuto para votar junto com ele.| Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

A cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol reverbera com um impacto devastador no imaginário popular pouco visto até agora no conturbado momento que vive o Brasil. Minhas opiniões pessoais sobre Dallagnol – nada elogiosas – são irrelevantes para a análise. Dallagnol agora é um símbolo. E o que é crucial é como a população interpreta essa sequência de eventos, de forma análoga a uma crucificação do justo pelos perversos, uma vitória do mal sobre o bem.

Dallagnol, aos olhos do público, personifica o homem honesto que desafiou o status quo, colocando figuras poderosas e corruptas como Lula atrás das grades, e que foi subsequentemente recompensado com o voto popular. No entanto, por meio de manobras políticas, os poderosos conseguem libertar Lula e restaurá-lo ao poder. O carrasco tem direito até a sua frase de efeito: "missão dada é missão cumprida". E, no ato final desta peça política, é o honesto quem acaba crucificado, enquanto os corruptos celebram sua vitória.

O brasileiro médio ainda não chegou à conclusão de que todos os limites foram ultrapassados.

A história evoca um arquétipo universal, que remonta ao início dos tempos, com a representação mais perfeita em Cristo: o justo perfeito que morre nas mãos do establishment corrompido. Em outras formas, é um arco tão universal que é repetido ao infinito no cinema e na literatura.

No clássico de 1962 To Kill a Mockingbird (no Brasil, "O Sol é Para Todos" - baseado no romance de Harper Lee), Atticus Finch, um advogado respeitado e moralmente íntegro, é designado para defender Tom Robinson, um homem negro acusado falsamente de estuprar uma mulher branca. No decorrer do julgamento, fica claro que Tom é inocente, mas apesar da defesa impassível de Atticus e da evidente inocência de Tom, o júri branco condena Tom, que tenta fugir e acaba morto pelos guardas. O resultado da trama, e a injustiça flagrante que representa, funciona como uma perda da inocência para sua filha Scout, narradora da história. O título do filme em inglês, To Kill a Mockingbird (“Matar um Sabiá”, em tradução livre), é uma metáfora para a destruição da inocência. Na história, é considerado um pecado matar um sabiá, pois a ave é benigna e só existe para cantar e trazer alegria.

O caso Dallagnol ilumina essa realidade para parcelas da população que até então estavam alienadas.

O Império Contra-Ataca, segundo filme da trilogia original de Star Wars (cujo título é mais do que adequado para o momento em que vivemos), também tem um final sombrio. Após um início promissor no primeiro filme, o herói Luke Skywalker termina o filme perdendo a mão, questionando a sua identidade e se atirando em um abismo. Han Solo está preso. E a rebelião foi praticamente esmagada.

Há um motivo para a repetição dessas histórias nas artes. Elas repetem as injustiças que todos sentimos na pele, em maior ou menor grau. E justamente pela empatia automática que tais tramas proporcionam, seu impacto na opinião pública é demolidor e muito mais poderoso do que qualquer série de reportagens da imprensa poderia ser. Diante dessa situação, duas respostas imediatas se fazem presentes: o desânimo e a revolta. Ambas são necessárias.

O sentimento, muitas vezes expresso como "o Brasil acabou", é um reflexo do desespero popular. O brasileiro médio ainda não chegou à conclusão de que todos os limites foram ultrapassados. Eles ainda não perceberam que não vivem mais em uma república democrática, onde tudo é permitido, desde que os interesses dos poderosos sejam atendidos. Portanto, eles ainda se surpreendem com casos como o de Dallagnol – ou quando descobrem que os meus bens e contas bancárias continuam congelados, minhas redes sociais bloqueadas, meu passaporte cancelado, e assim por diante.

Porém, não há solução que não passe pelo entendimento da gravidade da situação. O caso Dallagnol ilumina essa realidade para parcelas da população que até então estavam alienadas, inclusive para aqueles que acreditavam que tais medidas só seriam tomadas "para se livrar do Bolsonaro", uma ação que alguns tolos consideraram justificável. Como a personagem supracitada Scout, é hora desses brasileiros perderem a inocência.

É crucial, no entanto, que o desânimo seja transformado em resiliência. Precisamos aprender a viver sob essas novas regras, pelo menos por enquanto, e parar de procurar soluções onde elas não existem. A revolta deve se transformar em resistência, com toda a prudência necessária. Cada um deve resistir como puder, onde puder com a prudência bíblica da serpente. É preciso se preparar e se transformar para estar pronto quando a maré virar e a oportunidade surgir. E eu estarei aqui com vocês quando isso acontecer.

Paulo Figueiredo é jornalista e censurado pelo Supremo Tribunal Federal.

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