O potencial de inclusão a produtos culturais com o vale-cultura é imenso, especialmente se puder contribuir para a formação de hábito de frequência a cinemas, livrarias, teatros, salas de concerto, shows, exposições
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que cria o Programa de Cultura do Trabalhador, que tem o objetivo estimular o consumo de bens culturais e artísticos. O projeto foi uma formulação conjunta dos ministérios da Cultura, da Fazenda e do Trabalho, em 2009, e tem a intenção de dar acesso ao trabalhador a programação de artes visuais, artes cênicas, audiovisual, literatura e humanidades, música e patrimônio cultural. É um bom projeto, que tem potencial para fomentar e desenvolver áreas que no Brasil ainda são pouco profissionalizadas, carentes de incentivo e estratégicas para uma economia desenvolvida.
O projeto estabelece um vale-cultura, parecido com o sistema do atual vale-transporte. Trata-se de um valor pago pela empresa aos seus funcionários, com valor que tem desconto no Imposto de Renda. Prevê atendimento a funcionários que ganhem até cinco salários mínimos, podendo a empresa oferecer também aos funcionários de maior remuneração, segundo alguns critérios. O sistema ainda poderá ser adotado para o funcionalismo público federal e estadual, além dos estagiários.
No valor de R$ 50 mensais (há também uma previsão de distribuir R$ 30 a aposentados), a regulamentação de uso do vale-cultura deverá ser matéria de regulamentação em lei específica. É dinheiro que pode ser gasto em livrarias, lojas de CD, cinema, concertos, peças de teatro etc. Luta-se, agora, para que o projeto seja incluído na ordem do dia. Nesse sentido, a ministra da Cultura, Ana de Holanda, trabalha para que seja votado na Câmara ainda neste semestre.
Desconheço o montante de valores que o projeto pode mobilizar, mas o potencial de inclusão a produtos culturais é imenso, especialmente se puder contribuir para a formação de hábito de frequência a cinemas, livrarias, teatros, salas de concerto, shows, exposições etc.
Será a continuidade de uma grande mudança no foco de atuação do Estado em relação à cultura, iniciada na gestão dos ministros da Cultura anteriores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, saindo de políticas excessivamente centradas no estímulo à produção cultural. Esses estímulos resultam em ótimos produtos, mas que via de regra circulam muito pouco e para um público muito restrito.
O foco de atuação precisa ser pensado cada vez mais no âmbito da circulação, distribuição e consumo dos produtos culturais. E nesse sentido, o projeto em questão pode ser um grande começo.
Esse tipo de mudança de enfoque (do mero financiamento da produção para o estímulo à circulação mais ampla) também ajuda a evitar um perigo do qual os governos nunca estão imunes: a tentação de usar seu poder de financiamento para direcionar e interferir no conteúdo da produção. Isso deve continuar sendo definido pelos interesses difusos de autores. Ao Estado cabe estabelecer políticas capazes de vitalizar a produção já existente dando-lhe condições melhores de distribuição. É o que se pode chamar de cidadania cultural.
André Egg é professor do curso de música da FAP e doutor em História pela USP.