A recente prisão de um casal de turistas franceses na Itália, pela tentativa de furtar 40 quilos de areia de uma praia na Sardenha, reitera a seriedade e o rigor com que os europeus protegem seu patrimônio natural. Eles estão muito certos em agir assim. O que dizer, então, do governo do Brasil ao defender a Amazônia Legal, que abrange nove estados e três biomas, abriga a maior floresta tropical do mundo, detém um quinto de toda a água doce em estado líquido do planeta e ocupa 5,2 milhões de quilômetros quadrados, representando 61% do nosso território?
O tema, realçado pelas queimadas e recentes polêmicas relativas ao financiamento internacional de ações preservacionistas, merece uma análise mais aprofundada, como se observa em novíssimo estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), intitulado Amazônia – você precisa saber. É importante considerar que todas as terras privadas no país estão sob as regras do Código Florestal Brasileiro, que determina a preservação de 80% da vegetação nativa no bioma Amazônia.
Nas últimas décadas, o Brasil intensificou um conjunto de políticas públicas para combater o desmatamento, cuja média caiu de 12,67 mil quilômetros quadrados, entre 1999 e 2008, para 6,5 mil km², de 2009 a 2018. Contudo, precisamos nos esforçar para cumprir a meta de 3,9 mil km² até 2020, conforme o Acordo de Copenhague, firmado na COP15, em 2009. Tal esforço inclui o combate às queimadas.
Não devemos nos isolar na agenda ambiental, pois tal postura pode dificultar nossas políticas de sustentabilidade
Deve-se considerar que o Brasil participa dos principais acordos multilaterais da área ambiental desde a década de 1960 e está cumprindo quase integralmente os compromissos até 2020 do Acordo de Copenhague: reduzimos em 73% o desmatamento da Amazônia em relação a 2004 (a meta é 80%); e somente a mitigação do desmatamento nessa região e no Cerrado já diminuiu as emissões de dióxido de carbono em 2,28 gigatoneladas (praticamente dobramos o objetivo, que era de 1,24 gigatonelada).
Quanto ao Acordo de Paris, estamos muito avançados nas principais metas para 2030: do aumento previsto de 18% da participação de biocombustíveis, realizamos 17,4%, e até já superamos em 0,3% o compromisso de 45% das fontes renováveis na matriz energética nacional, que se tornou, assim, a mais limpa e diversificada do planeta – a média global é de 14%.
Nosso país também desenvolveu uma das mais avançadas legislações ambientais e de produção sustentável do mundo e investiu em tecnologias de monitoramento. Somos líderes na preservação de florestas tropicais, conciliando tudo isso com a posição de maior exportador líquido de alimentos, alcançando mais de 200 mercados. Entretanto, tais avanços não significam que devamos ignorar os graves problemas de queimadas e desmatamento ilegais, que devem ser combatidos vigorosamente, abrangendo, também, políticas públicas geradoras de renda e inclusão social.
Ao mesmo tempo, é preciso garantir a plena soberania nacional sobre a Amazônia e todo o nosso território, inclusive combatendo, com o rigor de investigações em busca de provas concretas, organizações que estariam a serviço da internacionalização de áreas brasileiras, disfarçadas de beneméritas ecológicas e/ou sociais. Assim, quaisquer providências do governo nesse sentido merecem reconhecimento e apoio.
Contudo, em meio à nova orientação da diplomacia brasileira, de aprofundamento de relações com países e blocos desenvolvidos, como o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e os entendimentos com os Estados Unidos, seria sensato um diálogo aberto e franco com os governos que contribuem para o Fundo Amazônico, como a Alemanha e Noruega, que cortaram os recursos, e os membros do G7, no que diz respeito às queimadas. É preciso esclarecer os fatos, demonstrando nossas ações ambientais e retomando a confiança recíproca.
Não devemos nos isolar na agenda ambiental, pois tal postura pode dificultar nossas políticas de sustentabilidade e implica o risco de comprometer até mesmo nossa diplomacia econômica, que vai caminhando muito bem. Temos todas as condições de participar do esforço da humanidade em favor da redenção ecológica do planeta sem jamais transigir no tocante à soberania. Quando alguém ousar ameaçá-la, devemos agir exatamente como a polícia italiana na Sardenha.
João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro, é vice-presidente do Conselho de Administração da Usina São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).