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O artigo publicado por Antônio César Bochenek na Folha de S.Paulo de 11 de outubro, em defesa da concessão do auxílio-moradia de R$ 4,3 mil aos magistrados brasileiros, é um festival de inconsistências. Em primeiro lugar, a exposição do doutor carece de qualquer lógica argumentativa. O juiz utiliza mais da metade do espaço que lhe foi concedido tentando justificar a plausibilidade de sua tese arrolando diversos setores da administração pública que, legitimamente ou não, já seriam contemplados com o benefício. Trata-se de expediente retórico pueril e pouco condizente com a relevância do cargo ostentado pelo burocrata.

Previsto ou não na citada letra que rege a carreira da magistratura – e, conforme demonstrou o próprio advogado-geral da união, não há o mais remoto consenso acerca da questão –, o pleito aufere contornos de aberração quando analisado sob a ótica moral e, principalmente, da racionalidade econômica.

Filigranas jurídicas à parte, o fato é que a casta togada brasileira goza de regalias e privilégios, pecuniários ou não, completamente descolados do contexto econômico nacional. Quando cotejada com a realidade vivida por seus pares nos países desenvolvidos, a situação dos doutores brasileiros expõe o quão acintosa e descabida faz-se a demanda em questão. A comparação é, de fato, demeritória. Para os estrangeiros, frise-se.

Os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, recebem salários mais elevados que seus colegas alemães e japoneses, ou praticamente o mesmo pago aos juízes da Suprema Corte norte-americana. Como se sabe, três países miseráveis e de carências expressivamente mais latentes que o Brasil. Sem contar outros mimos não verificados em terras temperadas, como a aposentadoria integral, férias de dois meses por ano, cota de passagens aéreas, auxílio-moradia e carro oficial com motorista.

Além disso, o meritíssimo demonstra desconhecimento em relação à realidade econômica do país. Diante do consenso acerca do inevitável ajuste fiscal a ser implementado a partir de 2015, torna-se ainda mais obscena uma proposta que onere o Tesouro Nacional em aproximadamente R$ 1 bilhão ao ano. Recursos estes que, se alocados em programas sociais de largo alcance, granjeariam legitimidade mínima ao debate. Destinados a pouco mais de 16 mil funcionários públicos que gozam de estabilidade prematura e cujo salário inicial supera os R$ 20 mil mensais, porém, fazem de seus requerentes o retrato fiel do ranço corporativista da mais rasa cepa.

Não se pretende desvalorizar um dos mais nobres e relevantes ofícios de toda a burocracia brasileira. Uma nação que se pretende próspera e harmoniosa deve fortalecer as suas instituições, recrutando profissionais qualificados e dedicados à causa pública. O fato é que os concursos para a magistratura, dos mais fatigantes e concorridos do país, já selecionam os melhores cérebros egressos das mais renomadas faculdades de Direito. Se realmente se almeja aperfeiçoar a prestação jurisdicional, far-se-ia mais justa e eficiente uma reformulação na carreira dos analistas de segundo escalão, profissionais que não raro arcam com toda a responsabilidade de redação das peças apenas rubricadas por seus superiores.

Trata-se da caixa-preta do Judiciário, um dos últimos e mais resilientes bastiões do Brasil arcaico. Composto por uma maioria de homens e mulheres probos e comprometidos com a transformação social do país, o Poder Judiciário não pode se tornar refém de interesses tacanhos e indefensáveis. A tão reclamada modernização da Justiça brasileira passa, entre outras medidas, pelo casamento entre as necessidades de seus operadores e as possibilidades da sociedade que os financia.

Se protocolada na Suíça, a pretensão da categoria far-se-ia, eventualmente, cabível. Em um país de miseráveis, porém, a requisição de benefícios dessa natureza não se presta a outro fim que não o de aflorar a mais profunda repulsa daqueles que lutam por um Brasil menos desigual.

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