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O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, e o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö.
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, e o presidente da Finlândia, Sauli Niinistö.| Foto: Divulgação/NATO

Durante todo o século XX, grandes estudiosos da geopolítica e de estratégias internacionais foram praticamente uníssonos ao falar sobre a Rússia: o país é mais do que uma nação territorialmente extensa, possuidora de abundantes recursos naturais e defesas geográficas inerentes à sua localização no norte global. A Rússia representaria uma fortaleza terrestre: ao norte, o impiedoso Ártico, ao sul, uma variedade de países com relevos e terrenos que tornam qualquer invasão por ali uma tarefa impossível, e poucos pontos de interesse no extremo oriente no leste. Todos esses fatores fizeram com que a maior parte dos geopolíticos, de maneira uniforme, considerasse que a grande vulnerabilidade desse país gigante com 11 fusos horários é seu front oeste, onde estão não apenas ex-repúblicas soviéticas mas onde o Kremlin buscou sempre ter influência decisiva.

Essa é sabidamente uma das razões para a invasão à Ucrânia, ocorrida em fevereiro de 2022: um país que durante metade do século XX foi considerado uma imensa ameaça à paz internacional e ao domínio estadunidense e ocidental não poderia assistir calado à entrada da Ucrânia na OTAN. Rússia e Ucrânia compartilham aproximadamente 2.300 quilômetros de fronteira – unindo aqui a fronteira terrestre e a fronteira marítima –, e esse vizinho tão próximo na Organização do Tratado do Atlântico Norte equivaleria a ter, tão perto de casa, os mais bem armados e mais bem treinados exércitos de 30 nações que Moscou, se não considera hostis, também não considera amigas.

Para os russos, a entrada finlandesa na OTAN equivaleria a uma grave ameaça para Moscou, que prometeu drásticas consequências para Helsinki.

Passados quase 14 meses da invasão russa à Ucrânia, o tiro realmente saiu pela culatra: por mais que, num futuro próximo, certamente os ucranianos não sejam aceitos na OTAN, há agora uma outra preocupação ao norte: a Finlândia. Rompendo uma neutralidade secular, o país escandinavo solicitou adesão à Organização de proteção militar mútua em maio de 2022, três meses após o início da ação russa contra Kiev.

Com um território que se equivale ao do estado do Goiás, a Finlândia é uma rica república parlamentar e lar de aproximadamente 5,5 milhões de pessoas. Tendo passado por eleições no último domingo, a então premiê Sanna Marin – do Partido Social Democrata – perdeu o pleito para Petteri Orpo, da Coligação Nacional – partido de direita. Entre os dois candidatos havia concordância numa pauta: a importância e a necessidade da entrada da Finlândia na OTAN.

O país, que compartilha aproximadamente 1.300 quilômetros de fronteira terrestre com a Rússia, viu-se ameaçado não apenas após a invasão russa à Ucrânia, mas após ameaças diretas do Kremlin: para os russos, a entrada finlandesa na OTAN equivaleria a uma grave ameaça para Moscou, que prometeu drásticas consequências para Helsinki. Aceita por todos os membros da Organização, a Finlândia torna-se o seu 31.º membro; e, em breve será seguida pela Suécia – que também rompe uma neutralidade centenária.

Obviamente que os russos não estão assistindo a essa adesão calados: retaliações já foram prometidas em vários níveis, mas não estão sendo levadas a sério. O que o mundo está percebendo é que o exército russo não é tão poderoso ou tão bem treinado como se imaginava. Não apenas as dificuldades militares do Kremlin já mostraram isso, mas vídeos vindos do front mostram não apenas soldados mal treinados, mas equipamentos velhos e absolutamente obsoletos em uso. Enquanto Kiev, armada com o que há de mais novo e mais moderno, manda para o front tanques alemães Leopard 2 novos, os russos recorrem a equipamentos das décadas de 1950 e 1960, manufaturados em meio à corrida armamentista da Guerra Fria.

Tendo ficado evidentes as dificuldades russas na Ucrânia, é improvável que Moscou consiga enfrentar uma guerra em dois fronts invadindo a Finlândia. Ainda assim, isso não quer dizer que o confronto na Europa esteja perto do fim: líderes autoritários e egocêntricos como Putin não admitem a derrota, e aumentam a violência. As armas nucleares táticas posicionadas pelo Kremlin em Belarus nas últimas semanas podem ser usadas não como uma demonstração de força, mas como uma forma de mostrar que os russos têm pouco a perder e que estão dispostos a levar a guerra às últimas consequências. Na terça feira (4), o ministro russo da defesa, General Serguei Shoigu, informou que seu país está adaptando aviões de Belarus para o transporte de ogivas nucleares – e os militares bielorrussos estão sendo treinados para usá-las e dispará-las. Um momento de novos receios certamente se aproxima.

João Alfredo Lopes Nyegray, advogado e graduado em Relações Internacionais, é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia, especialista em Negócios Internacionais e coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo (UP).

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