A Igreja Católica, no Brasil, sofre uma tentativa constante – desde meados da década de 50 e ainda mais efusivamente após o Concílio Vaticano II – de ideologização de seus meios doutrinários e eclesiais. Não é de hoje que o marxismo e as ideias à esquerda exploram a fé cristã a fim de conseguir avançar suas pautas políticas; é bem conhecida, desde meados da Revolução Francesa, a influência do igualitarismo e, posteriormente, do socialismo eclesial naquele país europeu, sendo a Teologia da Libertação apenas um ramo mais tardio dessa árvore.
No Brasil – e na América Latina como um todo –, no entanto, esse fenômeno de politização da fé cristã ganhou ares mais amplos e voos mais altos. Com expoentes como frei Betto e Leonardo Boff, a Igreja brasileira iniciou e progrediu na era do regime militar patenteada pela Teologia da Libertação e movimentos eclesiais à margem da doutrina oficial da Igreja; um trabalho de inculturação e reinterpretação da mensagem cristã a partir dos dogmas socialistas foi, então, realizado de maneira abrangente através das “igrejas de base”. O modus operandi gramscista era mais que mero acaso: tais sacerdotes e leigos influentes conheciam bem o que estava por trás da roupagem religiosa, sabiam bem manejar a ideologia socialista que se travestia em pregações sobre pobreza, sociedade e igualdade. Tendo a Igreja um prestígio ímpar junto à sociedade brasileira, eles usaram dos púlpitos a fim de se contrapor à ditadura militar. Não que isso tenha sido um erro – a Igreja, quando vê direitos e a liberdade sendo sobrepujados, tem o dever de se manifestar; o erro foi usar do altar e da atenção cativa das ovelhas parar apregoar outra ideologia tão – ou mais – nefasta que aquela que arguia combater.
A Igreja Católica sempre buscou manter-se alheia às ideologias políticas da modernidade; após uma Idade Média católica que oscilou entre a glória e opróbrio, e após a separação entre Estado e Igreja, achou-se prudente que a fé não se mancomunasse com as ideologias políticas pós-Revolução Francesa, mas agisse como aconselhadora e condenadora dos exageros e da desumanidade dessas ideologias quando necessário. Essa ainda é sua posição oficial. Não obstante, em momentos específicos de crise mundial, a Igreja aproximou-se mais dessa ou daquela vertente, ainda que nunca assumindo completamente nenhuma roupagem ideológica ou partidária. Tal situação se dá pois a sua mensagem principal, que a faz necessária e diferente na conjuntura mundial, translada a mera composição política imanente, pondo no transcendente a sua mensagem salvífica. A função compreendida e assumida pelo cristianismo é a de ser guia fiel do homem em direção a Deus, passando do plano terreno até alcançar, através do preparo do caráter individual pelas virtudes, as almas para o encontro final com o Deus ressurreto. Sendo assim, a missão primária da Igreja, como compreendida por seus doutores, nunca foi de ordem política e social, ainda que porventura, por consequência da obediência e benevolência às suas crenças, tais interferências sejam plenamente incorporadas na sociedade quando a situação política degradante se faz caótica. A Igreja não é contra a caridade, por exemplo; a caridade exercida sob a ótica cristã é parte intrínseca de sua missão. Sua realização não se dá para a promulgação de uma ideologia política ou para angariar votos a um candidato qualquer, mas para diminuir o fardo do irmão e preparar seu caráter para o bem.
Quem quer ouvir sobre o capitalismo, o golpe e o ambientalismo pode procurar um diretório do PT, não a igreja
Documentos eclesiásticos se acumulam ao tratar dessa temática: desde a Rerum Novarum até a carta apostólica Porta Fidei, a Igreja reafirma seu compromisso em não se comprometer com ideologia alguma. No Compêndio da Doutrina Social da Igreja lê-se que a Igreja Católica faz uma opção pelo “humanismo integral”; isso quer dizer, em uma interpretação coerente, ainda que diminuta, que a doutrina pregada pelo cristianismo abrange o homem como um todo: corpo, alma (psique) e espírito. Edith Stein, filósofa e doutora da Igreja, sob o nome de Santa Teresa Benedita da Cruz, em sua filosofia pós-conversão ao cristianismo, busca constantemente essa integralidade mostrando como o cristianismo é uma estrutura perfeita para todos os homens.
A Doutrina Social da Igreja abrange, pois, o homem em sua totalidade e não em parcialidades; a ideologia, por sua vez, se configura exatamente no parcialismo, e em visões apequenadas e sectárias da realidade: “tudo é economia”, “tudo é luta de classes”, “tudo é política”. A opção da Igreja, segundo seus documentos e escritos, é a de olhar para o homem e para a sociedade em sua inteireza integrada com a missão do Cristo.
Assim podemos entender a estranheza de muitos fiéis católicos ao se depararem com verdadeiros comícios de padres em missas. Esses fiéis começaram a perceber que seus pastores tomaram abertamente o caminho do parcialismo político, abandonando a pregação cristã do transcendente com o intuito deliberado de esmagar o conteúdo espiritual da fé dentro de um pote de materialismo marxista. A população, quando vai à igreja, o faz com a intenção de ouvir uma pregação ou um discurso diferente daquele que ouve na realidade extramuros; a Igreja, enquanto ministra de uma fé transcendente, existe com o fim de oferecer a seus fiéis um remédio ou alento espiritual que vai além das opções oferecidas por agentes políticos ou diretórios universitários. Quando alguém sai de sua casa para ir à missa, vai com a intenção de suprir suas necessidades, que ultrapassam o mero imediatismo. Mesmo quando dirige seus pedidos a Deus com o fim de pagar uma conta ou conseguir uma casa, sabe que o auxílio que pede, ou o socorro que espera, está no plano sobrenatural – assim acredita e nisso tem o pleno direito de crer.
Francisco Escorsim: Campanha da Fraternidade Ideológica (6 de março de 2018)
Leia também: Uma mordaça para a Igreja (artigo de Khae Lucas Ferreira, publicado em 12 de março de 2016)
A grande razão de existir da Igreja é oferecer algo que o secularismo e as instituições imanentes não podem oferecer em seus imediatismos. Se ela passa a ser apenas mais uma repartição assistencial do Estado, uma ONG ou diretório político de qualquer partido, ela deixa de ser interessante aos fiéis e àqueles que querem respostas que ultrapassam o mero materialismo científico. Se é verdade que o número de católicos confessos vem caindo no Brasil, a resposta pode estar no fato de que a Igreja, em muitos lugares, parou de apresentar respostas para as almas, passado a oferecer soluções políticas para o bolso ou para as urnas; talvez seja porque os padres tenham parado de apresentar o Cristo e começado a apresentar candidatos e partidos falsamente messiânicos.
Se vamos à igreja, é para ouvir falar das coisas do alto, sobre como sarar nossas almas e conduzir nossos espíritos àquilo que Santo Agostinho chamou de “Cidade de Deus”. Se o que se quer é ouvir sobre o capitalismo, o golpe e o ambientalismo, os fiéis devem antes buscar o curso de Ciências Sociais ou passar a frequentar os diretórios do PT e da CUT; o púlpito não foi feito para comícios e a comunidade cristã não quer um colunista pregando a palavra: ela quer um sacerdote.
Uma fé cristã sem o Cristo-Deus, sem seus sacramentos e sem sua pregação ao espírito, é como patins de gelo no Nordeste: sem utilidade alguma. Muitos setores da Igreja Católica no Brasil parecem ter se tornado uma ONG em que Cristo vira líder sindical; a Bíblia, manifesto político; padres, líderes de militâncias; e os fiéis, histéricos militantes. Em vez de falar do pecado e suas consequências, fala-se em desarmamento; em vez de pregar a doutrina milenar que seus documentos e história clamam ser a correta, prega-se o ambientalismo; em vez de falar do Cristo salvador das almas, fala-se do Cristo sindicalista libertador dos proletários. Quando a Igreja deixa de falar do transcendente e da salvação eterna, ela começa a ser dispensável ou até mesmo indesejável.
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