As conferências da ONU que ora se realizam no Brasil transportam, por algum tempo, Curitiba e todo o seu imaginário, para a macropolítica internacional.
Valiosa oportunidade para exibir a cidade e seu acervo de qualidades, os meetings ambientalistas se realizam em paisagem distinta daquela que compõe a imagem internacional do Brasil. Somos, principalmente aos olhos do primeiro mundo, país exótico e de belezas naturais, porém afogado em dilemas endêmicos de subdesenvolvimento e atraso. Logo, em comércio e política, parceiro de confiabilidade relativa.
Sabemos, todavia, que o Brasil, hoje o quarto contendor em número de causas na Organização Mundial do Comércio, onde só perdemos para norte-americanos, canadenses e europeus como bloco econômico.
Economia densa e diversificada, ainda que, atrelada à burocracia estatal perversa e predadora, o país de excelência e qualidade na OMC é profundamente distinto daquele retratado em sua imagem externa.
No que concerne ao meio ambiente, a escolha do Brasil para sediar recorrentes conferências revela a ambigüidade de sermos vilões e heróis da mesma saga. Agora, biodiversidade e regulamentação transgênica se inserem nas agendas da hora, como questões urgentes de política internacional, e que só em seu âmbito podem ser devidamente tratadas. De nada adiantam legislações meramente nacionais: a natureza abstrai as fronteiras políticas que separam Estados, e a poluição e todos os seus subprodutos, não usam passaportes.
A temática da tutela internacional do meio ambiente projeta um dos grandes dilemas do direito internacional: em política externa, nem tudo que é efetivo é eficaz. O direito internacional é descentralizado e de obrigatoriedade condicionada, ao contrário do que acontece dentro dos Estados. Com relação à preservação ambiental, com mais urgência do que em outras áreas, não basta simplesmente que a norma exista, que tenha sido efetivada e materializada em tratado aberto à firma dos Estados. Mais além, é necessário ser o tratado efetivo, vale dizer, ser a obrigação internacional objeto de adesão de expressiva parcela do concerto das Nações, sem o que estaremos diante de letra morta, mero discurso de boas intenções, sem limitar ou obrigar a quem precisa.
Agora o notável esforço das Nações Unidas é no sentido de pôr em curso efetiva corrida contra o tempo, para proteger o que resta das florestas do mundo, que são dizimadas em aproximadamente 25 hectares por minuto, a redundar em 13 milhões de hectares/ano. Caso os governos estejam efetivamente empenhados em contribuir para mudar o quadro, será fundamental a adoção de regime internacional integrado por distintos tratados, desde que adotados com efetividade e eficácia.
Vale, no presente momento, lembrar valioso precedente. No que tange ao aquecimento global e ao Protocolo de Kyoto, não obstante todos os ingentes esforços da comunidade internacional visando estabelecer metas para a redução da emissão de gases de efeito estufa, a ausência ou a desistência em participar do compromisso por parte de expressivos países megapoluidores, impede o sucesso de sua proposta. Trata-se de exemplo notável de norma internacional efetiva, mas não eficaz, diante da natureza vital e inadiável das obrigações ambientais.
Em recente matéria de capa do Economist, ao lamentar o descaso das nações poluidoras em relação ao aquecimento terrestre, o opiniático semanário norte-americano lembrava que a modelar cidade japonesa havia se associado a grande fiasco de política internacional, e que provavelmente se arrependia de ter, tão exemplarmente, sediado a 3.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em 1997. Agora, com as emblemáticas conferências da ONU, em Curitiba, é de se esperar que delas resultem compromissos jurídicos efetivos e eficazes. Não seria bom, a exemplo de Kyoto, Curitiba estar perpetuamente associada à história de mais uma grande frustração.
Jorge Fontoura é doutor em Direito, é presidente do Centro de Estudos de Direito Internacional, Cedi-Brasília.
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