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 | Albari Rosa/Gazeta do Povo
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Em 2015, a falta de chuvas proporcionou aos paulistas um dos melhores verões, com muito sol, calor, piscina, praia e mar – tudo que se sonha para as férias de janeiro. Mas, na volta à sua rotina de trabalho, eles foram confrontados com uma crise hídrica que os fez mudar vários dos seus hábitos de conforto ligados à água. Passaram a racionar os banhos, reutilizar a água do chuveiro para usos sanitários, pensar em soluções de uso racional da água e de reuso da água da chuva para uso doméstico. Finalmente, as chuvas voltaram e as preocupações com água voltaram à rotina tradicional de enchentes, alagamentos, enxurradas, doenças transmitidas pela água – enfim, a normalidade.

Nossa memória é curta. Dois anos antes da crise de 2015, aquele estado foi confrontado com uma das maiores épocas chuvosas, obrigando a abertura das comportas das represas, o que levou ao alagamento de várias cidades a jusante. Hoje, dois anos depois da famosa crise hídrica, São Paulo entrou novamente em num momento chuvoso, com muita água, enchente e alagamentos. Não temos controle nenhum sobre as nossas águas urbanas – se chove, alaga; se não chove, seca.

Não é apenas em São Paulo que isso ocorre: não sabemos quem governa as águas em lugar nenhum do Brasil. Em parte, é a Agência Nacional de Águas (ANA); em parte, departamentos de água e esgoto; em parte, as secretarias estaduais de recursos hídricos; em parte, as agências de bacia; em parte, os municípios; em parte, a região metropolitana; e pode ser que eu tenha esquecido alguém. Ou seja, uma verdadeira confusão que ninguém quer resolver. Vale o ditado: cão com vários donos morre de fome.

Se queremos evitar futuras crises hídricas, deve haver interesse e responsabilidade política e pública

Se queremos evitar futuras crises hídricas – e elas virão, pois o clima é cíclico –, deve haver interesse e responsabilidade política e pública. A crise que houve por falta de chuva foi superada graças às chuvas e a impressão que se tem é de que o assunto está encerrado: ninguém fala mais da crise hídrica. Mas ela voltará e, quando isso ocorrer, não será mais problema dos políticos atuais, nem dos gestores públicos atuais. Só resolveremos o problema se nós conseguirmos os responsabilizar pelo ocorrido de tal forma que não aconteça mais.

A governança das águas é um assunto complexo que deve ser tratado com muita seriedade, muita competência e com sabedoria específica. Para isso, o Brasil criou, em 1997, uma lei para os recursos hídricos baseada em um conceito clássico, que veio da França: do usuário e poluidor pagador e das agências de bacias. Infelizmente, a sua tropicalização e seu uso político impedem que a lei seja adequadamente implantada e utilizada. Foram criados os conceitos dos rios federais e dos rios estaduais – que acabam se sobrepondo –, assim como as responsabilidades entre as diversas agências de bacias federais e estaduais (que nem sempre existem) e os diversos entes de regulação federal e estadual – que, muitas vezes, também não existem.

Vejamos um exemplo típico de comparação entre a França e o Brasil. A França, nos anos 1970, criou seis bacias hidrográficas e suas respectivas agências de bacias para gerir suas águas. O estado de São Paulo – que tem mais ou menos a metade da área da França – criou 22 bacias hidrográficas e suas respectivas agências, que acabaram dominadas por interesses políticos em detrimento dos interesses técnicos. Quase 20 anos após a aprovação da lei, ainda não conseguimos implantar de maneira sustentável a gestão das nossas águas.

Vinte anos após a criação de sua lei, a França aplicava entre 500 milhões e 1 bilhão de euros anualmente (isto é, entre R$ 1,6 bilhão e R$ 3,25 bilhões) por agência de bacia. Esses recursos foram obtidos na própria bacia hidrográfica pelo conceito de usuário e poluidor pagador, e usados na própria bacia. Isso representa a metade dos recursos de que necessitaríamos para universalizar o saneamento brasileiro em 20 anos.

A mudança desse cenário passa pela conscientização, planejamento, controle, regulação e, principalmente, responsabilidade e condenação de quem não respeita a lei. Assim como o que está sendo feito pela Lava Jato com a corrupção no Brasil.

Não existe um único responsável pela governança das águas. Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público têm o dever de gerir as águas; a sociedade civil organizada tem o direito de receber essa governança que ela paga por diversos meios, como impostos, taxas e tarifas. A comunidade, incluindo a imprensa, deve pressionar os agentes públicos pelo seu direito de ter água e esgotamento sanitário, de modo a colocar o tema na agenda política para que seja tratado de maneira séria e não demagógica. Hoje só temos como alternativa rezar para que chova. Porém, não depende de nós.

Yves Besse é diretor geral de Projetos para a América Latina da Veolia Water Technologies.
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