O termo “discípulo” aparece até com boa frequência nas reportagens jornalísticas. Pode significar o aluno receptivo e entusiasmado por seu mestre; mas também é discípulo aquele que assegura a continuidade do que ensinara ou fizera alguém admirável; há ainda um sentido mais existencial: discípulo é aquele que se torna parecido com seu mestre. Aliás, foi essa a evolução semântica do termo. Passou do simples aprendiz para alguém configurado ao seu mestre. Já não se trata de um mero aprendizado. A questão é de viver as experiências e os valores herdados de alguém de grande sabedoria. Eis aí a “configuração”

CARREGANDO :)

Não se trata simplesmente de oferecer caminhos de uma vaga religiosidade

Publicidade

Servi-me desta introdução para abordar um tema bastante caro aos autores dos evangelhos. Eles falam muito dos “discípulos de Jesus”. E nas celebrações deste domingo se proclama um texto sobre o discipulado: “Fazei que todas as nações se tornem discípulos...” (MT 28,19). São palavras que suscitam uma pergunta de fundo aos que querem se deixar interpelar. De quem sou discípulo? Mas o interrogativo pode ser mais direto e imediato: quem ou o que mais influencia e inspira as minhas escolhas e a minha vida?

Ninguém pode elidir-se deste questionamento. Até os indiferentes fazem a sua escolha: ignorar. Mas dos influxos e opções feitas não escapamos. Segue, pois, que é melhor tomar consciência e direcionar para algum sentido a nossa própria existência pessoal. E partindo das interrogações sobre as influências, podemos tentar identificar as causas pelas quais mais oferecemos o melhor do nosso tempo livre, dos nossos esforços e das nossas renúncias. Em favor de quem ou do quê entregamos o melhor de nós mesmos?

No caso dos cristãos o que lhes incumbe a ordem de “fazer discípulos”? Não se trata simplesmente de oferecer caminhos de uma vaga religiosidade. Tampouco seria suficiente um conjunto de ideias e filosofias. Quando se trata de “tornar-se discípulo de Jesus” há que empreender um caminho de mudança a partir de dentro. Não seria apenas concordar com os pensamentos de Jesus. É preciso também um processo de maturação de fé.

Sirvamo-nos de um exemplo: a vida familiar. No início da vida matrimonial tudo é timbrado pela paixão: as frases, os comportamentos, as perguntas, as respostas. Mas o tempo se encarregará de mostrar também os limites e fragilidades. E é preciso haver saltos de maturidade para salvaguardar a convivência. O mesmo acontece com os filhos. O seu nascimento é uma festa. O tempo mostrará que tornar-se pai ou mãe é bem mais exigente do que haviam imaginado. E será preciso doação e sabedoria. Mas a causa é nobre. Vale a pena. Confere sentido à vida.

Voltemos ao discipulado, aquele do evangelho. Os primeiros discípulos de Jesus se entusiasmaram. Vibravam com seus gestos, suas palavras sua liberdade ante adversários e adversidades. Mas a amizade com ele se tornou, progressivamente, mais vinculante. Não se tratava apenas de gentilezas convivais. Porque o seguiam, aqueles discípulos eram desafiados a assemelharem-se a seu Senhor. Se ele era bom, ao seguidor era pedido o mesmo. Se ele perdoava, assim também se esperava do discípulo. Se era justo e compassivo, esse seria também o caminho de quem se fazia pertencer ao grupo dos seus. Se havia compaixão com os frágeis e sofridos, eis aí um caminho para os seus amigos. Por esta razão, os cristãos de hoje podem se perguntar sobre o seu grau de discipulado.

Publicidade
Dom José Antonio Peruzzo,  arcebispo de Curitiba.