Em 1844, 28 tecelões de Rochdale, cidade da Região Metropolitana de Manchester, na Inglaterra, juntaram suas economias para abastecer um pequeno armazém que vendia produtos como manteiga, aveia, farinha, açúcar e velas. A ideia central era de que a cooperativa conseguisse comprar quantidades maiores dos suprimentos por um preço menor do que seria pago individualmente por cada associado.
A premissa não era nova. Desde pelo menos o século 17, pensadores europeus ligados ao protestantismo cristão debatiam formas de associação econômica entre trabalhadores.
Entre 1827 e 1840, centenas de cooperativas de consumo nasceram e fracassaram na Inglaterra. A Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, como foi batizada a experiência dos tecelões, definiu então sete princípios para fundamentar sua operação e evitar os erros anteriores: adesão voluntária e livre, gestão democrática (um homem, um voto), distribuição proporcional dos excedentes, juros limitados ao capital, neutralidade política e religiosa, vendas em dinheiro e à vista, e promoção da educação e do ensino.
Na prática, as vendas no armazém seguiam os preços de mercado. A diferença vinha em forma de bônus, pagos proporcionalmente a cada membro da cooperativa ao final do ano. O armazém não aceitava parcelamentos, vales ou descontos. Se a distribuição era proporcional ao consumo, os votos não. O voto de cada associado tinha o mesmo peso para fins deliberativos.
As diretrizes fizeram Rochdale prosperar. A cooperativa multiplicou seus associados, adquiriu armazéns e tornou-se um negócio próspero, sendo considerada a primeira experiência cooperativa moderna.
“Era necessário descer do céu, ou melhor, das nuvens para a Terra. Essa foi a obra dos pioneiros de Rochdale”, dizia o economista francês Charles Gide (1846-1932) sobre os Probos Pioneiros de Rochdale em palestra no Congresso Cooperativista Internacional, de 1927.
Gide, entusiasta e teórico do cooperativismo, via no caráter prático e na importância do ganho individual dos associados um diferencial de Rochdale. Mesmo depois do êxito dos Probos Pioneiros, correntes políticas buscaram amarrar as cooperativas a ideários políticos mais preocupados com a oposição ao modelo capitalista do que com o desenvolvimento do cooperativismo em si. “Eles [os Probos Pioneiros] compreenderam que, para a cooperativa poder viver e desenvolver-se, seria necessário oferecer a seus sócios uma vantagem imediata”, explicava Gide.
180 anos depois, as lições dos pioneiros do cooperativismo ajudaram a fazer da agricultura brasileira um caso de sucesso em um país ainda coadjuvante no capitalismo mundial
O Brasil, que era importador de alimentos até a década de 70, tornou-se um dos cinco maiores produtores do planeta, líder em diversos itens. E o cooperativismo tem muito a ver com isso. As cooperativas respondem por cerca de 50% de toda produção agrícola nacional. O destaque fica por conta do Paraná, que conta com 11 cooperativas no ranking World Cooperative Monitor (Monitor Cooperativo Mundial), que lista as maiores cooperativas do mundo.
Elas nasceram nas décadas de 60 e 70 em municípios paranaenses como Campo Mourão, Missal e Palotina e suas histórias lembram a dos Probos Pioneiros. Iniciativas isoladas de pequenos produtores, sem ajuda estatal, que enfrentavam uma série de desafios. No caso das cooperativas paranaenses: dificuldades de armazenamento, de logística, falta de crédito e de assistência técnica.
Hoje, o cooperativismo agrícola paranaense é um colosso que faturou R$165 bilhões em 2023 e planeja investimentos milionários de expansão.
Para além da grandeza das cifras, porém, as cooperativas são responsáveis por uma verdadeira revolução pelo interior do estado. Elas potencializaram vocações regionais, integrando grandes e pequenos proprietários rurais à diferentes cadeias de produção da agroindústria (grãos, gado, frango, suínos, peixes, frutas, erva mate etc), abastecendo o mercado interno e desbravando e alcançando uma miríade de mercados externos.
As cooperativas criaram tecnologia e expertise na produção, multiplicando conhecimento e dividindo os custos. E não só. As cooperativas contribuem para o desenvolvimento do seu entorno e vizinhança, fazendo crescer a renda, gerando empregos, oportunidades e aumentando os índices de desenvolvimento humano das cidades e regiões em que estão sediadas. Elas desenvolvem inúmeros projetos de educação e formação profissional para crianças e jovens. Ao mesmo tempo, o ecossistema das cooperativas fez crescer as cooperativas de crédito, que nasceram para o atender o homem do campo e hoje chegam cada vez mais às grandes cidades, trazendo uma alternativa à rede bancária tradicional. Cooperativas de transporte e consumo também têm se desenvolvido de forma integrada.
As cooperativas paranaenses são um sucesso na geração de riqueza, desenvolvimento e cidadania no campo e dão significado às palavras de outro teórico do cooperativismo, o economista romeno Gromoslav Mladenatz (1891-1958). “O cooperativismo é racionalista e voluntarista. Ele não tem o caráter utópico que as experiências sociais tiveram, tal como nos mostra a história; pois ele cria instituições econômicas que, tendo que viver no meio atual, procuram não se isolar dele, mas ao contrário adaptar seus métodos de trabalho às circunstâncias nas quais ele intervém. É por isso que se pode dizer a justo título sobre o cooperativismo que ele é a única experiência social do século XX que teve sucesso.”
Guilherme Voitch é jornalista.
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