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Decisões sobre o caso Americanas e a segurança jurídica no Brasil

Americanas
Plano de recuperação judicial da Americanas prevê estancar parte da dívida de R$ 47,9 bilhões. (Foto: Jonathan Campos/arquivo Gazeta do Povo)

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Há pouco mais de um mês o nome das Americanas – loja varejista brasileira centenária – reverberou no mercado nacional. Todos os olhares se voltaram para sua estarrecedora situação financeira: inconsistências contábeis de 20 bilhões de reais foram identificadas, conforme divulgado por seu recém-empossado CEO, Sergio Rial – que na sequência, renunciou ao cargo. Com o passar das últimas semanas, o rombo financeiro aproxima-se de 43 bilhões de reais.

A partir daí, os problemas foram repercutindo em efeito cascata. No início, em preparação para o pedido de recuperação judicial que iria apresentar, a rede varejista se socorreu do Poder Judiciário e obteve uma proteção que impedia a execução e cobrança de dívidas pelos seus credores pelo período de 30 dias. O Banco BTG Pactual, contrário à estratégia da varejista, opôs-se a essa tentativa de blindagem e, após algumas idas e vindas perante o Poder Judiciário, garantiu o seu direito de compensar o valor de 1,2 bilhão de reais que a Americanas tinha depositado em suas contas.

As relações negociais e jurídicas são cada vez mais complexas, envolvem diversos agentes dos mais diferentes mercados que atuam nas mais variadas funções.

No capítulo seguinte, o mesmo Banco requereu a instauração de um procedimento de arbitragem perante o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá para discutir a possibilidade de vencer antecipadamente as dívidas contraídas pela Americanas, dado o cenário financeiro delicado da varejista.

Na sequência, os acionistas minoritários também instauraram procedimento arbitral contra a companhia. Desta vez, o procedimento foi iniciado, com base em seu estatuto social, perante a Câmara de Arbitragem do Mercado da B3, e o objetivo era a reparação pela desvalorização das ações. A indenização pretendida orbita em torno de 500 milhões de reais.

Outras instituições também entraram na fila para cobrar a responsabilização dos envolvidos, como os Bancos Santander e Bradesco, por exemplo, em busca de documentos, a fim de identificar as causas e extensões dos prejuízos. O Banco Bradesco foi além, requereu à Justiça acesso a e-mails trocados por 42 executivos da Americanas nos últimos 10 anos. Mas as demandas não circundam apenas a Americanas. Outras entidades, tais como as auditoras independentes, Pricewaterhouse Coopers Auditores Independentes do Brasil Ltda. (PwC) e KPMG Brasil, e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também vêm recebendo suas próprias ações judiciais.

O Instituto Abradecont, entidade que busca a defesa do consumidor e do trabalhador, ajuizou ação cautelar preparatória para uma ação civil pública. A ação foi proposta contra a PwC e a CVM, na tentativa de responsabilizá-las pelos danos causados em razão de alegadas falhas na supervisão das atividades da Americanas. No mesmo caminho segue o Instituto Brasileiro de Ativismo Societário e Governança (Ibrasg), que também ajuizou ação civil pública contra a PwC por descumprimento de seus deveres enquanto auditora externa. O Bradesco, por sua vez, promoveu ação para responsabilizar a PwC e KPMG como auditoras das contas da Americanas.

Diversos procedimentos administrativos perante a CVM também foram iniciados, seja para responsabilizar a companhia, seus controladores e seus executivos, seja para apurar a atuação de terceiros que supervisionavam e negociavam as ações da rede varejista, tais como agentes intermediários e as próprias agências de classificação de risco de crédito. O capítulo da Americanas está longe de chegar ao final. É de se supor que as repercussões serão sentidas pelos próximos meses nos mais diferentes segmentos, dado o tamanho e a relevância da rede varejista para o setor.

O alerta que fica é quanto à realidade atual da atuação das grandes empresas. Isso porque, como evidencia o caso em voga, atualmente, as relações negociais e jurídicas são cada vez mais complexas, envolvem diversos agentes dos mais diferentes mercados que atuam nas mais variadas funções: varejistas, auditoras, bancos, autarquias e pequenos investidores. Todos estão no centro das discussões. E em razão da complexidade da intrincada cadeia de negócios – o que está longe de ser uma crítica ao modelo de mercado –, é importante que se compreenda os meandros dessas relações e os impactos que a ruptura delas podem ocasionar.

Muitas dúvidas, sob o prisma jurídico, deverão ser resolvidas envolvendo o limite da responsabilidade da companhia e de seus diretores perante os acionistas investidores, quais  litígios deverão ser processados por arbitragem e quais deverão se processar no Judiciário, qual o nível de responsabilidade de cada agente envolvido, dentre outros. Aqueles que vão atuar no caso, sejam juízes, árbitros, executivos, advogados, auditores entre tantos outros, necessariamente devem ter consciência do reflexo que qualquer medida tomada terá nessa rede de relações. O conhecimento técnico sobre as matérias envolvidas, bem como a experiência de mercado serão essenciais para que os envolvidos na resolução dos problemas alcancem soluções eficazes e que não gerem consequências nefastas para a segurança jurídica no país.

Silvia Rodrigues Pachikoski é sócia da L.O. Baptista Advogados; Julia Guimarães Rossetto e José Victor Palazzi Zakia são advogados da área de Solução de Disputas do mesmo escritório.

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