Indígenas acompanham sessão do STF que definiu as teses sobre o marco temporal, em 27 de setembro.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF
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Não obstante o disposto na Constituição Federal e de forma contrária ao princípio da repartição de poderes em uma sociedade democrática, os ministros do STF têm exercido o papel de legisladores. Essa anomalia resultará no atraso do nosso desenvolvimento econômico e no cerceamento das nossas liberdades políticas.

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Se existe algum princípio amplamente aceito pelos economistas e demais estudiosos das questões sociais, tal consenso diz respeito à fundamental função exercida pela propriedade privada em uma economia de mercado. Por outro lado, a ideia de que o desenvolvimento econômico e social ocorre exclusivamente em sociedades capitalistas certamente causa profundo desconforto na maior parte dos intelectuais brasileiros. Entretanto, a evidência empírica é inequivocamente favorável a essa afirmativa. Não é à toa que Cuba, Venezuela e Coreia do Norte são nações miseráveis e que Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e os países da Europa Ocidental são típicos exemplos de sociedades desenvolvidas. Até mesmo a China, nação ainda governada por um partido comunista, não é exceção, pois o crescimento que esse país desfrutou nas últimas décadas somente teve início após a adoção de um sistema econômico que alguns chamam de capitalismo de estado.

Se ainda existia alguma chance de o Brasil ingressar no seleto clube das nações desenvolvidas, os ministros do STF atuaram de forma a dificultar que isso ocorra.

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A relevância da propriedade privada não se restringe à esfera econômica. De fato, a sua existência é uma condição necessária para que haja liberdade política. E a razão para isso é extremamente simples: quanto maior for o controle do governo sobre os recursos produtivos, maior será a sua capacidade de cercear os seus críticos. Afinal de contas, como bem explicou o dissente soviético Aleksandr Solzhenitsynna sua monumental obra Arquipélago Gulag, é extremamente difícil para um indivíduo fazer oposição quando o governo lhe impõe o emprego que terá, o local que residirá etc. Assim sendo, não é de surpreender que praticamente inexistisse oposição na União Soviética e que até mesmo no Canadá, um país de longa tradição democrática, o governo tenha recentemente recorrido ao bloqueio de contas bancárias de opositores.

Têm-se então duas proposições centrais para este breve texto. Como sem propriedade privada não há economia de mercado e sem economia de mercado não há desenvolvimento, o corolário óbvio é que (1) sem propriedade privada não há desenvolvimento. Adicionalmente, (2) sem propriedade privada não há liberdade política. Desta forma, o Estado deveria fortalecer a instituição da propriedade privada. Infelizmente, os onze magistrados que compõem a nossa corte suprema fazem exatamente o contrário.

Duas recentes decisões do plenário do STF são particularmente deletérias. Na primeira delas, tomada no começo de setembro deste ano, os ministros concluíram que terras produtivas também podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária. Tal deliberação contraria o artigo 185 da Constituição Federal, o qual afirma: “São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: II – a propriedade produtiva”. A segunda diz respeito à bem-conhecida controvérsia de existir ou não um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Os integrantes do STF decidiram pela inexistência de tal limitação. Neste caso específico, a desobediência ao texto constitucional não é tão manifesta como na primeira decisão. Porém, o artigo 231 da nossa carta magna determinaque as terras a serem demarcadas são aquelas que os índios “tradicionalmente ocupam”. Tendo em vista o significado atribuído a essa expressão no parágrafo primeiro do mesmo artigo e o uso do presente do indicativo, não há como concluir que a Constituição assegura aos índios posse de terras distintas daquelas que ocupavam na data da promulgação da carta. Vale ressaltar que a recente aprovação pelo Congresso de uma lei que implanta o marco temporal não é capaz de reverter de forma plena e eficaz a decisão dos ministros da corte. A razão para tanto é que se essa norma entrar em vigor, então inevitavelmente ela será alvo de ações judiciais. Logo, os integrantes do tribunal terão a opção de declará-la inconstitucional.

Não devemos nos iludir com relação às consequências dessas duas decisões. Se ainda existia alguma chance de, ao longo próximas décadas, o Brasil ingressar no seleto clube das nações desenvolvidas, os ministros do STF atuaram de forma a dificultar que isso ocorra. E como se isso não bastasse, eles fragilizaram um dos pilares da liberdade política. E que não se diga que tais decisões foram inevitáveis consequências do texto constitucional. Apesar de todos os seus defeitos, a carta de 1988 não obrigou os integrantes da nossa corte superior a tomar tais decisões. Na verdade, o ataque à propriedade privada ocorreu a despeito da Constituição Federal.

Alexandre B. Cunha é Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor da UFRJ.

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