Faz algum tempo, conheci Luís, um jovem cego de 26 anos, que mudara há um ano para o Jardim Itaqui, periferia de Curitiba, e, desde então, estava sem estudar. Me contou que estudou na Apae e, por sete anos, frequentou uma "classe especial para deficientes visuais" no interior do estado, onde nunca aprendeu a ler em braille. Sua rotina incluía caminhar ao redor da casa, já que não possuía uma bengala para arriscar passeios mais longos. A família aguardava uma vaga na escola, pois a diretora informara que uma lei de inclusão estava para ser aprovada, dando-lhe o direito a estudar em classe comum, pela primeira vez. Um passaporte para a inclusão!
A lei a que se referia a profissional é a "Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva", assinada pelo ministro Fernando Haddad, pela Resolução 04/2009, cujo maior impacto é a matrícula obrigatória dos alunos com deficiência no ensino regular.
Na prática, isso significa o fim do atendimento exclusivamente em classes e escolas especiais, realidade que afetará cerca de 50% do total da população de alunos com deficiência, em todo o país. Os partidários da inclusão total defendem a transformação das escolas especiais em centros de atendimento, os quais complementariam a escolarização desses alunos, no contraturno. Na verdade, o debate da inclusão condicionado tão somente ao local da oferta (escola regular ou especial) expressa uma falsa polarização que encobre questões que, de fato, deveriam ser alvo de debates nas políticas públicas.
Inúmeras são as manifestações contrárias a essa decisão, sob o argumento de que a inclusão deve ser encarada como um processo gradativo. A comunidade surda ecoa seus gritos visuais em manifestações públicas em defesa de escolas próprias, nas quais a língua de sinais seja respeitada como primeira língua, base para o aprendizado do português. Como essa ainda não é a realidade nas escolas brasileiras, o fato de as aulas serem exclusivamente faladas cria barreiras de comunicação e acesso ao conhecimento que acarretam, além da discriminação, baixíssimos desempenhos nas avaliações e níveis de letramento. Denunciam a falta de intérpretes em serviços públicos básicos, como repartições públicas e hospitais, embora esse seja um direito assegurado por lei federal, desde 2002.
Uma parcela de pais e professores temem que a inclusão "forçada" acentue ainda mais o preconceito e a exclusão de alunos com graves comprometimentos intelectuais e transtornos globais de desenvolvimento, pelo despreparo dos professores e falta de estrutura física e pedagógica das escolas.
No que se refere à questão da acessibilidade física, desafio que mais facilmente seria superado, com investimentos adequados, pelos gestores, a realidade também é problemática. São inúmeros os relatos de barreiras arquitetônicas enfrentadas por cadeirantes, ou usuários de muletas, impedindo sua locomoção com autonomia e independência. São calçadas esburacadas, escadas e banheiros sem adaptação que se colocam como barreiras, não apenas na escola, mas nos cinemas, teatros, parques e ambiente de trabalho.
Materiais em braille, softwares com sintetizador de voz e livros falados são alguns dos recursos que possibilitariam que crianças cegas estudassem em escolas regulares, acompanhando o ritmo das aulas em igualdade de condições com os demais alunos. No entanto, como no caso de meu amigo Luís, mesmo conhecimentos que independem de tecnologias sofisticadas não têm lhes sido assegurado plenamente.
O discurso da inclusão tem como referente concreto o fato de que 24,6 milhões da população com deficiência no Brasil, apenas 4 milhões estão matriculados em escolas regulares, segundo dados do MEC/Inep (2006). Desse total, pessoas com deficiência representam somente 0,22% dos mais de 5 milhões de universitários brasileiros.
Em relação ao trabalho, apesar de políticas afirmativas, como a Lei de Cotas, pessoas com deficiência representam 2% dos 26 milhões de trabalhadores formais ativos (Rais, 2003) e ocupam os postos de trabalho mais precarizados no setor industrial.
São números que revelam o quão distante estão as metas inclusivas de se concretizar, sobretudo se apenas consideradas medidas legais que, por decreto, desconsideram a diversidade econômica e cultural de um país de dimensões continentais como é o Brasil.
Em síntese, se inclusão na escola regular é objeto de política pública desde a década de 1990 e as instituições especializadas vêm realizando o atendimento educacional a essa parcela de alunos há mais de meio século, os esforços empreendidos deveriam resultar em produtos diferenciados no que se refere à cidadania de pessoas com deficiência.
O nível de desenvolvimento das tecnologias produzidas pela sociedade atuaria como aliado na superação de impedimentos orgânicos iniciais causados por deficiências, se socializados a todos que dela necessitassem. A exclusão real, na educação e mundo do trabalho, se concretiza no cotidiano de crianças e jovens com deficiência justamente pela restrição de acesso a esses produtos do trabalho humano.
Temo, por conta disso, que a mera mudança de contexto da classe especial para a classe comum não ofereça as possibilidades efetivas de inclusão almejadas por meu jovem amigo Luís.
Sueli Fernandes, doutora em Letras, pesquisadora na área de educação bilíngue para surdos, é professora do Setor de Educação da UFPR.
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