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No ano em que morria Karl Marx, considerado um dos principais pensadores econômicos do século 19, nascia John Maynard Keynes, considerado o maior economista do século 20 e um dos maiores de todos os tempos. Era o ano de 1883, e parecia que o capitalismo clássico iria seguir sem grandes tropeços, apesar das críticas de Marx às condições de vida da população. Ao mesmo tempo em que a Revolução Industrial salvava da miséria milhões de pessoas, a partir da multiplicação de empresas industriais e comerciais, a população mundial, que chegara a 1 bilhão em 1830, caminhava para atingir 2 bilhões em 1930, gerando uma multidão de pessoas em más condições de vida e de trabalho.

A denúncia de Marx de que o capitalismo tinha um lado desumano, ao pagar baixos salários e exigir longas jornadas diárias de trabalho, inclusive de mulheres e crianças, foi o estopim que deu combustível para os revolucionários soviéticos implantarem a experiência comunista a partir de 1917. O capitalismo sofreu um revés naquele momento e o mundo, boquiaberto, viu nascer uma proposta alternativa ao capitalismo: o socialismo, cujos slogans humanitários encantavam milhões de adeptos. Algumas décadas mais tarde ficou claro que as teorias socialistas foram deturpadas e levaram ao extermínio de milhões de vidas humanas debaixo de ditaduras sanguinárias. Costumo repetir que Marx era muito melhor do que os marxistas, e o que fizeram em nome dele é uma contrafação e uso indevido de nome e imagem.

O capitalismo sentiu o golpe e começou a incorporar reformas trabalhistas com vistas a melhorar as condições de trabalho e implantar benefícios salariais. Por uma razão ou outra a humanidade sempre evolui, ainda que lentamente, e foi o que ocorreu com o capitalismo, que foi ajudado pela velocidade com que a tecnologia melhorou os processos de produção e elevou as taxas de produtividade do trabalho. Mas eis que chega o ano de 1929 e o capitalismo sofre um segundo golpe, duro e assustador: a grande depressão. Em valores monetários o Produto Interno Bruto americano caiu 50%. Metade dessa redução foi por queda da produção física real e metade representada pela queda dos preços dos bens e serviços finais (deflação).

Nesse cenário de grande desalento é que surge a figura grandiosa de John Maynard Keynes. Crítico do socialismo soviético e da crueldade totalitária, Keynes trabalhou de forma incansável para oferecer solução dos problemas conjunturais provocados pela depressão de 1930. Sua ânsia de extirpar os males do capitalismo vinha do fato de entender que esse sistema era o único capaz de conciliar prosperidade material e liberdade individual. Ele examinou as engrenagens do sistema com lupa de grande conhecedor das teorias econômicas, ofereceu ao mundo uma explicação do funcionamento do capitalismo de livre mercado e propôs que o Estado interviesse para recuperar a demanda agregada por meio de gastos públicos. Keynes formulou a teoria do "efeito multiplicador da renda", que seria suficiente para, em pouco tempo, recuperar o sistema produtivo, o emprego e os salários.

Na crise atual, muitos são os que falam em uma saída keynesiana, propondo que o governo intervenha aumentando gastos em investimentos públicos e programas sociais, além de regular, a fio de espada, o funcionamento do sistema financeiro. O governo deve intervir para amenizar os ciclos de expansão e recessão, que são próprios da economia de mercado, e para melhorar as regras da intermediação financeira. Mas Keynes jamais foi um amante do governo e tinha um pé atrás com as mazelas do governo, temendo que uma vez aumentada a influência estatal ela pudesse não mais retroceder, fazendo que o governo passasse de curandeiro a promotor da doença. Ele morreu antes de ver que os políticos-governantes fizeram tudo o que ele temia, fabricando déficits públicos, produzindo inflação, ineficiência e corrupção, durante as quatro décadas seguintes, até a falência do Estado no fim dos anos setenta.

Assim, se há algo que devemos fazer é deixar Keynes em paz. Ainda que seja necessário melhorar a regulação dos bancos e intervir para a volta do fluxo normal do mercado financeiro, não faltará quem faça de tudo para, usando o nome desse grande economista, levar o governo a solapar o capitalismo de novo. Se o mundo conhecesse outro formato de engenharia econômica melhor do que a economia de livre mercado, aí sim daria para discutir se valeria a pena substituir o capitalismo. Mas o fato é que não existe esse outro sistema, já que o socialismo, além de ineficiente, mostrou-se a maior máquina de entregar almas a Deus.

José Pio Martins é economista e vice-reitor da Universidade Positivo.

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