Os peritos criminais da Polícia Federal, responsáveis pelas investigações científicas do órgão, desenvolveram um software inovador para investigar as suspeitas de corrupção em gastos públicos relacionados à pandemia do novo coronavírus. Chamado “Delphos”, o sistema é alimentado com informações das contratações feitas por entes públicos de todo o país. Em seguida, ele cruza esse conteúdo com outros bancos de dados, o que propicia achados úteis para as investigações e dá mais robustez e celeridade aos laudos da perícia criminal.
O Delphos ataca o problema causado pela falta de padronização da grande quantidade de informações prestadas pelos governos estaduais, municipais e federal sobre as contratações motivadas pela Covid-19. Como os entes públicos não usam um formato ou sistema padronizado para a divulgação, foi preciso criar um sistema próprio, dentro da PF, que uniformizasse esse conteúdo e viabilizasse a análise e o cruzamento com outros acervos.
Os peritos criminais federais têm acumulado resultados de excelência no desenvolvimento de softwares, alguns deles sem igual no mercado privado e outros que resultam em enorme economia para o erário. Essas invenções 100% nacionais contribuem com todo o sistema, uma vez que a perícia federal as disponibiliza, gratuitamente, para as polícias civis e militares, ministérios públicos e demais órgãos de segurança, fiscalização e controle.
É possível citar alguns exemplos bem-sucedidos de softwares desenvolvidos recentemente pelos peritos criminais federais: a) Iped: agiliza a análise dos dados coletados em computadores e servidores após buscas e apreensões. Entre outras funções, recupera arquivos apagados, detecta nudez e decodifica arquivos; b)Peritus – processa evidências multimídia, como vídeos, comparação facial e fotogrametria forense; c) NuDetective – detecta arquivos de pornografia infanto-juvenil no próprio local da busca e apreensão e nos locais suspeitos de forma rápida, eficiente e confiável; d) Inteligeo – oferece infraestrutura centralizada para armazenamento, apresentação e análise de dados geoespaciais.
Aprovada por causa da pandemia, a Lei nº 13.979/2020 dispensa de licitação, em seu artigo 4.º, as compras de bens, serviços (inclusive de engenharia) e insumos destinados ao enfrentamento da emergência. A medida se justifica porque as licitações são demoradas, o que poderia impedir a atuação contra a doença em tempo hábil. Essa situação, no entanto, reforça a importância da transparência e, por isso, a mesma lei obriga os entes públicos a disponibilizarem todos os dados necessários para o monitoramento dos contratos.
Já foram empenhados mais de R$ 28 bilhões para estados e municípios, segundo o Portal da Transparência do governo federal. O portal Comprasnet, outro sistema oficial, mostra mais de 5 mil processos de compras relacionadas ao coronavírus.
Em situações como essa, o corpo de peritos criminais da PF mostra que sua expertise única e internacionalmente reconhecida tem muito a contribuir com o Brasil. Já existem diversas investigações sobre possíveis crimes relacionados às compras da pandemia. Mas só é possível apurá-los de forma eficiente tratando a tecnologia, a ciência e a inovação como aliadas do combate ao crime.
Sem haver uma solução tecnológica viável no mercado, mais uma vez o caminho foi o desenvolvimento, pelos peritos federais, do Delphos. Ele centraliza os dados em um único sistema e também faz os cruzamentos. Outra vantagem é que ele foi concebido pensando nos parâmetros da Lei 13.964, conhecida como “Pacote Anticrime”, que estabelece as regras e os ditames de preservação da cadeia de custódia para investigações criminais.
O novo sistema tem como objetivo permitir que os peritos criminais federais busquem evidências da ocorrência de sobrepreço e de superfaturamento nas contratações, além de irregularidades nas empresas contratadas. Ele fornece informações, por exemplo, se uma empresa possui sócios relacionados a pessoas politicamente expostas, compara os preços do fornecedor para órgãos diferentes, checa a possibilidade de conluio de preços, verifica a coerência do ramo da empresa com os produtos vendidos, confere contratações anteriores e levanta até indícios de empresas de fachada.
Esse tipo de análise é bastante facilitado por meio de um sistema como o Delphos, viável financeiramente e capaz de processar as informações rapidamente, além de apresentar os resultados de forma gráfica, facilitando a visualização e a identificação das ocorrências. Essa é mais uma contribuição da perícia criminal federal para o combate a crimes financeiros no Brasil, robustecendo, ainda mais, a produção de provas científicas.
Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF).