Quem acompanhou os processos movidos contra Lula, na Operação Lava Jato, constatou que suas condenações ocorreram e foram referendadas por robustas provas obtidas com investigações da Polícia Federal e dezenas de delações de políticos, funcionários públicos e empresários junto ao Ministério Público Federal (MPF), todos envolvidos em corrupção com o dinheiro público. Tudo isso resultou na condenação de Lula por juízes de 1ª instância, de 2ª instância no Tribunal Regional Federal em Porto Alegre e também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
Fruto desse trabalho, dezenas de delatores devolveram centenas de milhões de reais aos cofres públicos, e, segundo dados do MPF, somente nos 43 acordos de leniência que foram fechados com empresas envolvidas em esquemas de corrupção, a recuperação total para os cofres públicos será de 24,5 bilhões de reais. Foram várias equipes que trabalharam por anos para provar a roubalheira, mas depois tudo naufragou no Supremo Tribunal Federal (STF). Os integrantes da corte encontraram “fundamentos formais” para anular o processo e, com isso, revogar a prisão de Lula.
É preciso que exista uma reação de forma democrática a estas decisões que não condizem com o sistema jurídico brasileiro.
Pessoas que tinham obrigação de se julgar impedidas para proferir voto nos processos de Lula, por ligações políticas ou de amizade, nada fizeram e votaram para a anulação do processo. E, mais uma vez, para demonstrar que nosso país não é sério, aproveitando-se da faculdade que lhe é concedida pela Constituição Federal, de indicar nomes para ocupar o cargo de ministro do STF (após a nomeação, é necessária a aprovação do Senado), Lula premiou com essa indicação o seu advogado, Cristiano Zanin, o qual poderá ser incluído no rol de ministros que vão julgar o próprio presidente da República em caso de processo.
O estranho é que, para os amigos do rei, tudo pode. E para outros, ocorrem situações absurdas, como a que aconteceu recentemente com a cassação do mandato do deputado federal pelo Paraná, Deltan Dallagnol, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e como vemos também em algumas decisões do ministro Alexandre de Morais contra pessoas envolvidas – e até não envolvidas – nos atos tidos como antidemocráticos, ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
No caso das decisões decorrentes do episódio de 8 de janeiro, pessoas que participaram estão presas sem terem passado pelo devido processo legal e seus bens foram bloqueados sem muita fundamentação. E o que é pior, bloqueios de bens e dinheiro, apreensão de computadores e celulares continuam ocorrendo pelo Brasil afora, ordenados por Morais, atingindo inclusive pessoas que se quer foram a Brasília naquela data. Para agravar mais, são raros os advogados que conseguem ter acesso ao conteúdo dos processos que determinam estas medidas judiciais. Como fazer uma defesa sem conhecer o processo?
No caso de Deltan Dallagnol, a situação é tão grave quanto a primeira e chega a parecer vingança, eis que não existem fundamentos jurídicos válidos para a decisão. O TSE inventou uma inelegibilidade que não está na lei eleitoral para cassar o deputado. Para que existisse possibilidade de cassação, quando Deltan saiu do Ministério Público (MP), teriam que existir em andamento processos administrativos passíveis de demissão contra ele no MP. E isso não existia. Ou seja, o ministro relator do processo inventou suposições para fazer a cassação, e, vergonhosamente, os demais integrantes do TSE votaram da mesma forma, decidindo inclusive contra precedentes do próprio tribunal.
A respeito dessa vergonhosa decisão se manifestaram grandes figuras jurídicas, como o ministro aposentado do STF , Marco Aurélio Mello, que afirmou: "Aonde vamos parar em termos de menosprezo à Constituição Federal?”. Da mesma forma, Miguel Reale Júnior, que já foi ministro da Justiça, declarou que o TSE não fez a interpretação correta da Lei da Ficha Limpa, e "presumiu que pudesse vir a ser condenado em um PAD ainda não instaurado”. Segundo ele, houve arbítrio na decisão. Para o jurista Ives Gandra Martins, por sua vez, a decisão contra Dallagnol fere a harmonia e a independência entre os poderes, definida pela Constituição Federal, pois a função do Judiciário é ser guardião da Constituição e não invadir a competência de outros poderes.
Até quando nosso país vai aguentar decisões deste tipo? Onde estão os demais membros do Judiciário que integram o STF e o STJ? E os integrantes do Congresso Nacional, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a grande mídia brasileira, que sempre foram defensores do estado democrático de direito e agora assistem a tudo isso de forma silenciosa? É preciso que exista uma reação de forma democrática a estas decisões que não condizem com o sistema jurídico brasileiro, o qual possui sua Constituição Federal pautada em princípios jurídicos que não estão sendo respeitados.
José Eli Salamacha, mestre em Direito Econômico e Social, é professor em curso de pós-graduação na Disciplina de Direito Empresarial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e sócio do escritório Salamacha, Batista, Abagge & Calixto Advocacia.
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